Antero de Quental nasceu na ilha de São Miguel, em Ponta Delgada, em abril de 1842. Era descendente de uma das mais antigas famílias de colonizadores micaelenses. O seu avô, André da Ponte de Quental, signatário da Constituição de 1882, era grande amigo de Bocage. E seu pai, Fernando de Quental, foi um dos «bravos do Mindelo». De Castilho, que também viveu em São Miguel, recebeu Antero as primeiras lições que continuaram no Colégio do Pórtico, em Lisboa. Por volta dos 10 anos de idade, Antero terá ouvido recitar a Ode a Deus, de Alexandre Herculano e, segundo o seu próprio testemunho, profunda foi a impressão que recebeu.
«Foi como que a revelação de um mundo novo e superior. Escapava-me o sentido de muitos conceitos, a significação de muitas palavras… A minha nascente intuição do ideal religioso achava uma expressão reveladora na poesia grave e penetrante daquele hino sacro.»
Em setembro de 1858, matriculou-se no 1.º ano de Direito da Universidade de Coimbra, tornando-se rapidamente o líder da juventude coimbrã e o seu porta-voz contra o conservadorismo intelectual, moral e político da época. Para isso muito contribuíram as poesias que ia publicando nos jornais literários de Coimbra como o Fósforo, o Cisne do Mondego ou o Académico, que fundou com João de Deus e Alberto Sampaio. Em 1861, publica os Sonetos de Antero e no ano seguinte funda a Sociedade do Raio, uma sociedade secreta cuja finalidade era derrubar o reitor Basílio de Sousa Pinto, odiado pelos alunos em virtude das severas e anacrónicas medidas que decretava. Antero redigiu então o Manifesto dos Estudantes de Coimbra que foi assinado por 314 alunos e onde se protestava contra a legislação universitária — velha, injusta, confusa e atrasada três séculos. O reitor acabaria por ser substituído.
Menos bem sucedida foi a Rolinada, movimento contra o Duque de Loulé, Rolim de Moura, o qual se recusara a conceder um perdão de ato, por ocasião do nascimento do príncipe D. Carlos, e que indeferiu esse pedido em termos que a Academia considerou ofensivos. Os tumultos que se seguiram motivaram o envio de tropas para Coimbra, tendo os estudantes decidido abandonar a cidade.
«Quem tiver no peito um coração de homem livre volta as costas ao militarismo e sai de Coimbra! E vai para onde? Para a terra que foi berço da liberdade portuguesa! Vai para o Porto!»
Este êxodo estudantil saldou-se por uma amnistia.
No verão de 1865 surgem as Odes Modernas, grandemente influenciadas por Michelet, Proudhon e Hegel, que Antero caracterizou como resultante da aliança entre o naturalismo hegeliano e o humanismo radical francês:
«Não é certamente medíocre, há nele paixão sincera e elevação de sentimentos, mas além de declamatória e abstrata, por vezes aquela poesia é indistinta e não define bem nem tipicamente o estado de espírito que a produziu.»
A edição das Odes Modernas, de Antero de Quental, está na origem da maior polémica literária portuguesa de todos os tempos: a Questão Coimbrã. Castilho, o antigo professor de Antero, ao escrever uma carta ao editor António Maria Pereira, enaltecendo as qualidade poéticas do Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, ridicularizava as Odes Modernas, de Antero, e as Tempestades Sonoras, de Teófilo Braga, confessando-se incapaz de enxergar para onde iam os autores devido às alturas de «águia» em que voavam.
Antero responde a Castilho com o violento opúsculo Bom Senso e Bom Gosto — Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho:
«Acabo de ler um escrito de V. Ex.a onde, a propósito de faltas de bom senso e de bom gosto se fala com áspera censura da Escola de Coimbra» (…) «Os versos de V. Ex.a não têm ideal, mas começam por letra pequena. As suas críticas não têm ideias, mas têm palavras quantas que bastem para um dicionário de sinónimos.» (…) «De V. Ex.a nem admirador nem respeitador.»
A questão Coimbrã deu origem a mais 44 intervenções, embora Castilho, como aliás prometera, não tomasse em público qualquer atitude. Particularmente referia-se aos seus antagonistas como «os fadistas de Coimbra» ou «os Teófilos errantes e os Quentais imundos». Na sua carta a Wilhem Storck, Antero resumiu assim a Questão Coimbrã:
«Houve em tudo isto muita irreverência e muito excesso. Mas é certo que Castilho, artista primoroso mas totalmente destituído de ideias, não podia presidir como pretendia a uma geração ardente que surgia e que antes de tudo aspirava a nova direção. Quando o fumo se dissipou, o que se viu claramente foi que havia em Portugal um grupo de 16 a 20 rapazes que inspiravam talvez pouca confiança pela sua petulância e irreverência, mas que inquestionavelmente tinham talento e estavam de boa fé. Os factos confirmaram esta impressão. Desta espécie de revolução fui eu porta-estandarte, com o que não desvaneço sobremaneira, mas do que não me arrependo.»
Antero torna-se barachel em 1864 e, tendo em conta que o estudo do Direito nunca o interessara, pensa em alistar-se nos exércitos de Garibaldi e ir combater em Itália. No entanto, perante a recusa do amigo António Castelo Branco em acompanhá-lo, vai para Lisboa empregando-se como tipógrafo. No ano seguinte parte para Paris a fim de exercer a nova profissão e, a partir da sua própria experiência, conhecer os problemas do proletariado em geral e do francês em particular. A experiência proletária saldou-se por um fracasso, tendo regressado desiludido e doente.
«Este trabalho é triste como todo o trabalho moderno, forçado, pálido e dividido, desnatural e injusto.»
Em 1869, viaja para os Estados Unidos da América, onde visita Halifax e Nova Iorque, estudando aí as grandes questões sociais ligadas ao proletariado e simultaneamente às organizações capitalistas. No regresso conhece Oliveira Martins. E esse encontro é decisivo na vida de ambos. Juntos passaram a ter intervenção ativa no movimento socialista.
«O seu convívio fez-me muito e muito bem. Chamou-me à realidade viva, humanamente natural, de que por um insensível mas continuo desvio, o meu temperamento místico tende sempre a afastar-me, em não havendo influências externas que me chamem à razão — e você é para mim essa razão… como direi? A boa razão numa palavra, positiva, real e justa.»
Por esta altura Antero voltou a viver em Lisboa. Partilhava um andar com Jaime Batalha Reis na Travessa do Conde-Mor, onde fundou o Cenáculo, uma tertúlia de amigos de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós, João de Deus e Ramalho Ortigão.
No início da década de 1870 começa o período de grande atividade política de Antero no movimento socialista. Funda associações, publica folhetos de propaganda e introduz em Portugal a Associação Internacional dos Trabalhadores, uma secção da Internacional que recebeu a visita do genro de Marx, Paul Lafargue. É também um dos fundadores da Associação da Fraternidade Operária, da qual se afasta por não terem sido aprovadas as doutrinas proudhonianas que defendia e que Fontana não aprovava.
É também por esta altura que funda e dirige a República – Jornal da Democracia Portuguesa.
«Fui, durante uns 7 ou 8 anos, uma espécie de pequeno Lasalle, e tive a minha hora de vã popularidade. Consumi muita atividade e algum talento. Queria reformar tudo, que nem sequer estava a meio caminho da formação de mim mesmo.»
Todavia, o período mais agitado da vida pública de Antero é aquele em que têm lugar as Conferências Democráticas ou do Casino, que se inauguraram a 22 de maio de 1871, no Casino Lisbonene. Conferências que pretendiam:
«(…) agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência Moderna e estudar as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa.»
Após uma primeira conferência – O Espírito das Conferências — Antero pronunciou a segunda conferência no dia 27 de maio: Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos, sem dúvida o seu artigo mais conhecido.
Paralelamente à ação política e panfletária, Antero não abandona a sua atividade poética.
«(…) a minha poesia tem sido sempre para mim coisa sincera e tirada cá de dentro.»
Em 1872 surgem as Primaveras Românticas — Versos dos Vinte Anos. Ainda neste ano escreve o que considera ser a sua melhor obra em prosa: Considerações sobre Filosofia da História Literária Portuguesa. No ano seguinte, a morte do pai obrigou-o a regressar aos Açores. E um ano depois adoece gravemente de uma psicose maníaco-depressiva.
«Em 1874 adoeci gravissimamente com uma doença nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A força da inação, a perspetiva da morte vizinha, a ruína de muitos projetos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos própria da nevrose, puseram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do grande problema da existência. (…) A minha fraqueza é tal, que a menor aplicação me deixa prostrado do cérebro.»
Ainda assim funda com Batalha Reis a revista Ocidente, onde Eça viria a publicar a primeira versão de O Primo Basílio. São desta época, por exemplo, «Os Cativos», «Entre Sombras» e «O Hino da Manhã», que constituem, talvez, os poemas típicos do pessimismo português.
Como a medicina nacional de Sousa Martins e Curry Cabral não conseguia proporcionar‑lhe qualquer alívio decide ir a Paris consultar Charcot.
«Começo a estar cansado e é forçoso decidir isto — se morro ou se vivo. O estado de moribundo é coisa muito tediosa.»
Charcot receita-lhe uma cura hidroterápica num estabelecimento em Bellevue, cujos resultados se revelam totalmente ineficazes. De regresso a Portugal adota as duas filhas de Germano Meireles, um dos seus maiores amigos da época de Coimbra, que falecera em 1877. Surge então a candidatura para deputado pelo Partido Socialista às eleições gerais de 1879 e 1880.
Depois da edição de Sonetos na Biblioteca da Renascença no Porto, em 1881, Antero decide sair de Lisboa e fixa residência em Vila do Conde na companhia das filhas adotivas. Os cerca de 10 anos que irá passar na pequena vila nortenha vão ser os mais calmos da sua existência. A proximidade de Oliveira Martins, no Porto, e de Alberto Sampaio, em Famalicão, proporciona-lhe uma relativa pacificação de espírito. É neste período de Vila do Conde que escreve os seus últimos sonetos, aqueles que muito justamente considerou serem os melhores.
«Voz Interior», «Na Mão de Deus» e sobretudo «Solemnia Verba» eram para Antero algo de novo, a verdadeira poesia do futuro. Os amigos começaram, então, a pressioná-lo para que publicasse uma coleção completa dos seus sonetos, cerca de uma centena, da qual uma boa parte se encontrava inédita. Os Sonetos Completos sairiam em 1886 graças aos esforços de Oliveira Martins que organizou e prefaciou a edição.
Assim se encerra o ciclo poético anteriano, com a promessa de que as ideias filosóficas nele expressas iriam ser desenvolvidas largamente e em boa prosa. Logo em 1886, Antero publica uma série de artigos com o título de A Filosofia da Natureza, dos Naturalistas, seguindo-se-lhe depois o famoso ensaio Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.
No ano de 1890 situa-se a última intervenção pública de Antero, desta vez no campo político, na sequência do Ultimatum inglês de 11 de janeiro, quando todo o país se levantou indignado contra o ultraje britânico. Com o Governo totalmente desautorizado, respirava-se um clima de quase revolução interna. Surgiu então no Porto a ideia de se constituir a Liga Patriótica do Norte, que erguesse uma bandeira congregadora no meio da desordem e aproveitasse o momento de fervor patriótico para fazer sair o país do marasmo em que vivia.
Para a liderar era necessário um homem cujo nome e prestígio fosse uma garantia de absoluta confiança e imparcialidade, face às várias correntes políticas. Luís de Magalhães sugeriu o nome de Antero de Quental e essa lembrança foi calorosamente acolhida.
No entanto, em torno da Liga começaram, quase desde início, a moverem-se intrigas políticas, logo que os vários líderes pressentiram que ela poderia chegar a ser uma força contrária aos seus próprios interesses. Do entusiasmo inicial passou-se à indiferença e à hostilidade. Antero, não querendo desvirtuar o pensamento que presidira à sua fundação, nem torná-la instrumento de ambições pessoais, apresentou a sua demissão. E surge então o projeto de se fixar em São Miguel, juntamente com as filhas adotivas que entretanto internara nas Doroteias do Porto.
Antero parte a 5 de junho de 1891 com destino a Ponta Delgada. As primeiras notícias que envia aos amigos são otimistas. Encontrara casa mais cedo do que previa, não estranhara demasiado a mudança, era tudo «oiro sobre azul». Mas em meados de agosto, o seu estado de saúde agravou-se devido ao clima micaelense, mas muito principalmente devido a divergências familiares motivadas pela presença das suas duas filhas adotivas que alguns membros da sua família pareciam não aceitar de bom grado. A carta que escreve a Oliveira Martins nesse agosto, é bem reveladora do doloroso estado de espírito em que se encontrava.
«Peço à minha razão que comunique aos meus nervos o estoicismo que ela tem, mas de que eles não parecem suscetíveis.»
No dia 11 de setembro de 1891 pelas 19 horas, após ter comprado um revólver, sentado num banco do Campo de São Francisco, junto ao muro que fecha a cerca do Convento da Esperança, Antero de Quental suicidou-se com dois tiros, sendo sepultado no dia seguinte no cemitério de São Joaquim, em Ponta Delgada.
Um final muito diferente daquele que descreveu na carta autobiográfica que enviou ao seu amigo Storck, onde afirmava a sua esperança num final de vida de acordo com a evolução espiritual que deixou expressa tanto nos Sonetos como nas Tendências Gerais da Filosofia…
«Morrerei, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana, e, como dizem os antigos, na Paz do Senhor — Assim o espero.»
Esta biografia teve por base o livro O Essencial sobre Antero de Quental, de autoria de Ana Maria Martins.