Exposição de trabalhos artísticos.

  • Referência
    «Na Imprensa Nacional — A visita do Presidente da República — Inauguração da exposição de trabalhos artísticos», O Mundo, n.º 3977, de 4 de outubro de 1911, p. 3.
Assunto

Inauguração da exposição de trabalhos artísticos na Imprensa Nacional, com a presença e visita do Presidente da República, Manuel de Arriaga, e do Presidente do Ministério, João Chagas.

Ficha

«Conforme se anunciara, realizou-se ontem a inauguração da exposição artística da Imprensa Nacional com a assistência do Sr. Presidente da República, que assim deu àquele estabelecimento a honra da sua primeira visita oficial. O chefe do Estado, acompanhado de seu filho Sr. Roque de Arriaga, chegou ali pela 1 hora e um quarto da tarde, sendo recebido no átrio pelo administrador, contador, diretor das oficinas e armazéns, funcionários da contadoria e da mesma direção, chefes de oficina e pessoal artístico e operário. Aguardavam também S. Ex.ª os Srs. presidente do conselho João Chagas; ministro da guerra, general Pimenta de Castro; […]
Percorrendo as oficinas e os armazéns — Vivamente acamadas a República e a Pátria por todos os assistentes e executado pela banda de infantaria 2, sob a regência do maestro Caldeira, o hino nacional, e o Sr. Dr. Manuel de Arriaga, depois dos cumprimentos, iniciou a sua visita pelas oficinas de fundição de tipos, detendo-se em frente de um mostruário armado em forma de pirâmide e contendo vários moldes, matrizes e clichés tipográficos, emblemas, filetes de fantasia em chumbo e latão, colchetes, linhas de enfeite, rebotes, esquadros, várias peças estereotipadas, trabalhos em galvanoplastia e outros. De ali seguiu S. Ex.ª para a escola tipográfica, onde se exibiam diversos e interessantes espécimes gráficos e depois para a oficina de gravura, fotogravura e zincografia, merecendo-lhe particular atenção a cópia galvânica do célebre prato de Benevenuto Cellini, existente no Vaticano, e dois primorosos e ricos exemplares de gravura em cobre, executados por Bartolozzi, aos 86 anos de idade. Nesta oficina o atual chefe Sr. Eduardo Alves Correia fez funcionar as máquinas Guillocher, cujos trabalhos os visitantes muito apreciaram. Concluída a visita à gravura, passou-se à secção de brochuras e cartonagem, onde se encontravam expostos também alguns trabalhos de merecimento e de aí à litografia, cujas produções foram muito elogiadas, entre as quais se destacava um retrato do Sr. Dr. Manuel de Arriaga, desenhado a lápis pelo distinto artista C. Chaves. No armazém de impressos, sucessivamente visitado, onde igualmente se achavam em exposição algumas das mais notáveis edições da casa, o administrador da Imprensa fez notar a improficuidade da existência há muitos anos de enormes stocks de livros e comunicou o seu propósito, já exposto em ofício à direção geral de instrução secundária de, por exemplo, destinar os exemplares de uma antiga edição dos Lusíadas para prémios aos alunos dos liceus. Tal intuito foi muito louvado, chegando o Sr. João Chagas a dizer que há meses, em Paris, querendo oferecer para prémios escolares exemplares do maior poema nacional, não encontrara um único à venda.
Na sala de composição — As boas vindas. Seguidamente, após a inscrição do seu nome no livro dos visitantes, o Sr. Presidente da República e os convidados subiram ao andar superior, onde estão instaladas as oficinas de composição, as quais apresentaram também trabalhos dignos de ser admirados. Uma vez junto ao estrado da direção das oficinas o administrador da Imprensa, Sr. Luís Derouet, leu, entre aplausos do pessoal, a seguinte alocução:
‘Senhor presidente: — a Imprensa Nacional de Lisboa quis comemorar por uma forma condigna o primeiro aniversário da República Portuguesa convidando-vos a vir aqui inaugurar solenemente a primeira exposição de trabalhos artísticos que, através o longo decorrer do tempo, se ousou levar a cabo neste estabelecimento do Estado. A exposição pouco valerá no conceito dos que tudo julgam com severidade, mas os artistas da Imprensa Nacional confiam na vossa magnanimidade e serenamente aguardam o vosso imparcial e autorizado juízo. Trata-se, de resto, de uma iniciativa que há muito devera ser tomada e que importa fazer frutificar agora, para que ao movimento político, renovador da sociedade portuguesa, corresponda, no grau preciso, o progresso das artes que aqui se cultivam!’
‘Senhor Presidente: a Imprensa Nacional de Lisboa orgulha-se, como não pode deixar de ser, com a vossa visita. Sois, antes de mais, um velho amigo da casa, e este facto, após tantos anos de abandono por parte dos poderes públicos, não pode ser encarado senão como uma esperança de melhores dias. São esses dias afinal que a República, honrando-se, há de saber proporcionar-vos, o ensejo de poderdes garantir a quantos moirejam o pão de cada dia portas adentro deste templo em que se ergue o altar do trabalho. O pessoal da Imprensa Nacional de Lisboa, mais uma vez o proclama bem alto, aguarda do novo regime tudo o que a monarquia caída em outubro de 1910 lhe não soube dar. E de vós, especialmente, ele espera que continueis a ser o mesmo bom amigo de sempre, defensor estrénuo dos pequenos e dos humildes, encarnando, inalterável, a majestade pura e serena da Democracia.’
‘Senhor Presidente: a exposição que acaba de inaugurar representará, no futuro, um marco miliário poderoso. Será como que o despertar de um estado cataléptico em que vivemos durante séculos, e do qual a manhã gloriosa de 5 de outubro foi a alvorada redentora. Esta exposição, podendo aparentemente valer pouco, vale pois muito, porque, sobre constituir uma comemoração perdurável da Revolução bendita de há um ano, visa a iniciar um período de ressurreição artística que à Imprensa Nacional de Lisboa cumpre a obrigação moral de manter! […]’
[…] o chefe de Estado, agradecendo a maneira gentil como fora recebido, recordou o facto de há trinta e tantos anos conhecer o pessoal da Imprensa Nacional, pois com ele passou muitas noites quando era deputado, para rever e por vezes escrever os seus discursos. Ninguém, portanto, mais autorizado a conhecer os progressos daquele estabelecimento. […] E ao administrador daquele estabelecimento, republicano de sempre, também os seus agradecimentos cordiais e efetivos e os seus votos frementes para a realização do programa que expôs ao saudá-lo e que admiravelmente se casa com as aspirações da República.
Prossegue a visita às demais dependências do edifício — a despedida. Das oficinas de composição desceu-se à casa do alçado e manufatura de sobrescritos, despertando esta última secção grande curiosidade; ao armazém de papel e materiais diversos, à oficina de impressão, cuja exposição também mereceu grande interesse aos visitantes, e por fim às secções de eletricidade e serralharia, que se encontram muito bem mentadas [sic], merecendo unânimes elogios os seus encarregados. Na oficina de serralharia, o Sr. Presidente da República apertou efusivamente a mão ao operário serralheiro José Nunes, a quem a República deve bons serviços. Em todas as oficinas o Sr. Presidente da República foi carinhosamente saudado. À saída do edifício, que teve lugar pouco depois das 2 horas da tarde, as aclamações reproduziram-se calorosas e entusiásticas em honra da República e dos que trabalharam para a sua implantação. O estabelecimento ficou em seguida patente ao público, sendo muito visitado. Hoje estará também exposto das 10 horas da manhã às 4 da tarde. Alguns espécimes tipográficos, litográficos e de gravura química de que o Mundo já fez menção, e que foram especialmente executados para constituir uma lembrança da exposição da Imprensa, foram amavelmente distribuídos aos visitantes pelas operárias do estabelecimento Berta Costa, Laura Blanco, Beatriz Costa, Adelaide Campos e Gilda Martins, mediante qualquer donativo destinado ao cofre da prestimosa Associação Tipográfica Lisbonense. O produto da venda de ontem rendeu 10$350 reis. […]»