Estagnação de remunerações no setor gráfico.

  • Referência
    JUDICE, Sotto Maior, «À Classe Tipográfica», O Graphico, n.º 1, de 1 de junho de 1890, p. 2.
Assunto

Estagnação de remunerações, no setor gráfico, sobretudo em Lisboa.

Ficha

«De entre todas as classes, que em Lisboa vivem do trabalho e para o trabalho, nenhuma há, sem dúvida, aonde a remuneração dos seus produtos mais se tenha conservado estacionária, do que aquela a que pertencem os humildes discípulos da arte, que teve por inventor o imortal Gutenberg. Com efeito, quando todos os outros obreiros do progresso, aqui, na capital, mais ou menos têm adquirido melhor remuneração ao seu trabalho, muito embora, ainda assim, ela não esteja em harmonia com as necessidades da vida de hoje, comparativamente à de há 30 anos e com os salários que então auferiam, a classe tipográfica é talvez a única a quem se paga ainda hoje pelos preços porque se pagava naquela época, se é que ainda nalguns estabelecimentos esses preços não tenham diminuído, como têm, e o que não nos seria muito difícil provar.
[…] E note-se, e isto é muito importante para o que nos propomos demonstrar, que esses preços não são ainda hoje, trinta e seis anos depois, dos piores […]. Não são dos piores, esses preços, dissemos nós, e não são; há por aí, atualmente, muito e muito pior, uma verdadeira desgraça, mas desgraça que é urgente que termine, porque a remuneração do trabalho dos tipógrafos não deve fazer uma exceção entre a das outras classes.
[…] O desenvolvimento de produção que se tem manifestado nos últimos tempos, com quanto a alguém pareça isto um absurdo, para nós tem sido uma das causas, e cremos mesmo que a principal, que mais tem contribuído para o estado decadente em que se encontra a retribuição do trabalho do tipógrafo nacional. As tipografias surgem por aqui por toda a parte; a cada canto, seu espírito santo, tipógrafos e não tipógrafos estabelecem-se com oficinas de impressão e de composição e a primeira coisa de que lançam mão para poderem contar com trabalho em abundância, é baratearem os seus produtos. E como eles não desejam ser os sacrificados nessas lutas, o capital guarda para si sempre a melhor parte, o melhor do bolo, e a concorrência é feita por via de regra, à custa do trabalhador, que, ou tem de se sujeitar a ser explorado, ou de deixar o lugar, que bem ou mal é logo substituído por uma infinidade de aprendizes que nada aprendem, é certo, mas que se prestam sempre à concorrência que os industriais estabelecem para poderem ter trabalho e fazê-lo barato.»