Ficha
«O culto do Ex-Líbris não é um assunto de arte meramente recreativo, é um tema de natureza essencialmente psicológica, que não podia deixar de chamar sobre si o interesse das camadas intelectuais
O êxito admirável da ‘1.ª Exposição de Ex-líbris nacionais e estrangeiros’, organizada pela Imprensa Nacional de Lisboa e há pouco tão lutuosamente encerrada como o assassínio do seu principal mentor, Luís Derouet, vem claramente demonstrar a verdade do nosso asserto.
Antes de terminado o brilhante certame, a ‘Alma Nova’ não podia deixar de ir felicitar a sua Comissão Organizadora e de aproveitar a ocasião para entrevistar um dos seus dedicados membros. Quis o acaso que fosse ele o nosso Exm.º amigo e camarada no jornalismo Sr. João Rosa, que imediatamente se dispôs a prestar-nos todas as notas e esclarecimentos que sobre o assunto desejássemos:
— Repare, porém, ponderou todavia, nas responsabilidades que impendem sobre mim, como secretário da Comissão e naquelas que contraio, satisfazendo o vosso pedido.
— É de compreender o melindre — concordámos —, mas desejando a ‘Alma Nova’ registar, sobretudo, as impressões colhidas na presidência da sala, quer através da sua visão jornalística, quer das perguntas que, necessariamente, têm sido formuladas pelos visitantes, conforme o ‘leit-motiv’ do interesse particular perante a exposição, quem melhor quer V. Exa., para nos fornecer tais elementos?
— Realmente, respondeu-nos, tenho observado que cada visitante, embora admire o conjunto tão apreciável do certame, marca uma predileção dentro da sua visualidade estética ou do âmago do seu sentimento literário, que é, quase sempre, a maneira íntima de atuar na vida.
Diz-me com quem andas… e dir-te-ei o Ex-Líbris que preferes, não é assim? — conviemos.
— Vou mais além, pelo Ex-Líbris só pode aferir da preferência literária do seu possuidor. É como se dissesse: a psicologia de cada qual está nos livros aos metros e encadernações a peso…
Oh! sim, creio nisso e até, muito piamente, no contrário: isto é, que haja quem tenha Ex-Líbris… sem ter livros!…
Reatando, porém, dizia eu que, realmente, alguma coisa tenho observado do meu miradouro.
Quanto ao público, não falando nos expositores nem nas coleções, noto interesses marcados muito curiosos e muito antagónicos: há quem procure, principalmente, a heráldica portuguesa — e deixe-me dizer-lhe que abundo nesse patriotismo, ou, se se quiser melhor, nesse bairrismo, como já algures evidenciei, ao afirmar que Évora, a minha pátria, adotiva, anda ligada ao culto do Ex-Líbris, e ao acentuar a grande parte que letrados e mitrados tiveram nesse culto.
— Não deixei de o ler no ‘ABC’; os meus parabéns! Mas não foram só fidalgos e clerezia que pagaram tal tributo…
— Sem dúvida! Tenho até o maior prazer espiritual em citar-lhe uma ala muito curiosa de galantes damas da geração contemporânea, que tem feito interessantes marcas de posse para os seus livros, numa justa abolição da garatuja — salvo seja — do nome escrito no frontispício das espécies que possuem.
Pertencem a essa ala: D. Maria António Rebelo de Andrade, D. Veva de Lima, D. Zulmira Teixeira (Falcarrero), D. Maria Cristina de Andrade Coelho, D. Maria Josefina Andersen, D. Maria Adelaide de Oliveira Belo, D. Flora de Sousa Rodrigues, D. Maria Emília de Aguiar de Azevedo, D. Maria Bandeira Nobre, D. Maria Emília Faria, D. Ana do Quental, D. Irene Vieira Lisboa, D. Raquel Anjos Jardim de Castro, D. Estefânia Cabreira, D. Ana e D. Helena Guedes, D. Julieta Ferrão, D. Branca Ferreira Pinto, D. Joana de Almeida Nogueira, D. Maria Seixas Cabecinha, D. Branca Rumina, D. Sofia Abecassis e D. Mercedes Blasco…
— Plêiade ilustre, sem dúvida, onde encontramos nomes de titulares, de escritoras, de médicas, de atrizes…
— E de simples donas de casa, que sabem dividir com método o seu tempo, deixando algumas horas disponíveis para cuidarem também do espírito, pela leitura.
Nas senhoras, devo acrescentar ainda um nome, o de D. Raquel Bandeira de Melo, a qual apresentou uma coleção que mereceu a atenção dos visitantes pela forma como foi reunida; e no mundo masculino, não chegaria um número da ‘Alma Nova’, talvez, para a citação de todos os nomes.
E quanto a divisas? — perguntámos.
É também muito pitoresca, curiosíssima mesmo, essa faceta da exposição — uma das mais procuradas por certo público.
[…]
— Como quase tudo lhe disse das impressões colhidas no meu cargo; restando-me acentuar, ainda dentro da minha divisa, que é dum grande alcance para o nosso país (e não só literário e artístico) a feliz iniciativa do meu amigo e diretor, Presidente da Comissão organizadora de que faço parte, Sr. Luís Derouet, a quem o mundo culto internacional fica devendo um assinalado serviço.
Mal sonharia o nosso entrevistado, mal sonharíamos nós, que antes de ter visto os resultados da obra grandiosa que tão patrioticamente acarinhou, Luís Derouet fosse tão ingloriamente recompensado com a morte, à traição, em plena via pública!»