Críticas de A Capital ao processo de demissão de Luís Derouet.

  • Referência
    «Mau caminho», A Capital, n.º 1663, de 23 de março de 1915, p. 1.
Assunto

Críticas de A Capital ao processo de demissão de Luís Derouet e de admissão de Augusto Machado Santos para direção da Imprensa Nacional.

Ficha

«A demissão do Sr. Luís Derouet do lugar de diretor geral da Imprensa Nacional e a sua imediata substituição pelo Sr. Augusto Machado dos Santos são factos que não têm só uma significação pessoal. Definem o caráter de uma situação que se apresentou ao país como vindo pacificar a sociedade portuguesa e regenerar a administração do Estado.
Não vemos nesse caso pessoas. Não falamos em nome de partidos. Falamos em nome do prestígio de justiça que deve ter a República e do decoro que deve ser norma de toda a ação governativa.
Demissões de funcionários do Estado, como o governo as está fazendo, não se admitem em parte nenhuma do mundo. Elas não podem ter uma justificação confessável. Demitir um funcionário público, cujo diploma de encarte ainda há bem pouco o Sr. Presidente da República deve ter assinado, sem invocar nenhuma razão, sem mandar proceder a nenhum processo disciplinar, sem ordenar quaisquer sindicâncias aos seus atos, é um ato de violência que não só ofende a equidade natural das consciências como afronta a própria razão.
Não se admite que o governo demita sem dizer porquê, como não se compreende que nomeie sem também dizer porquê.
O funcionário praticou atos delituosos? Enumerem-se. O funcionário não tinha competência para o seu cargo? Declare-se. E, por sua vez, afirme-se a competência superior do cidadão que é chamado a substituí-lo.
A conveniência do serviço para que se apela, tanto para demitir um como para nomear o outro, tem de ser demonstrada pela existência dessas razões de justiça e de capacidade. De contrário, o governo, que tem bradado aos quatro ventos que veio inaugurar uma era de moralidade, só demonstra, na realidade, propósitos de favoritismo.
Afirma-se que Portugal, nos anteriores governos da República, foi governado como um país de cafres. Em face destes atos a afirmação faz sorrir.
Se o governo, quando fala em pacificação e moralidade, quer ser tomado a sério, os atos desta natureza estão-lhe vedados. Não pode haver pacificação em circunstâncias desta ordem, em que todos os servidores do Estado, dos mais altos aos mais modestos, não têm seguros os seus lugares, não têm garantido o seu pão, vendo a sua própria dignidade exposta a uma humilhante expulsão. E se a tudo aquilo em que a justiça não é respeitada, em que direito respeitáveis não são acatados, não pode atribuir-se uma característica de moralidade, muito menos ela se pode descobrir em medidas a que não é possível evitar que se atribua um caráter de favor político, inspirado por interesses governativos.
Este caminho é perigosíssimo. Não podem afetar ignorá-lo aqueles mesmos que ocuparam o poder, protestando contra perseguições, violências e irregularidades e afirmando-se contra elas tão indignados e tão cônscios de que era preciso fazê‑las cessar que dessa afirmação tiraram pretexto para iniciar uma ditadura!»

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