«Júlio Dinis viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve». Foi com este resumo lapidar que Eça de Queirós descreveu a vida e a obra de Júlio Dinis.
Júlio Dinis foi o nome com que Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nascido no Porto a 14 de novembro de 1839, se imortalizou nas letras portuguesas. Seria também no Porto que viria a falecer o autor de As Pupilas do Senhor Reitor, e ainda muito jovem (com 31 anos, em setembro de 1871), vítima de tuberculose, doença que herdou da mãe. «Essa terrível perseguição da nossa família, à qual nós devemos os únicos infortúnios que nos têm feito sofrer», escreveria Júlio Dinis em carta a um amigo. Efetivamente, a tuberculose roubou-lhe a mãe (aos cinco anos) e sucessivamente mais oito irmãos.
Da mãe, D. Ana Constança Potter Pereira Lopes, Júlio Dinis herdou também o sangue saxónico, era descendente de ingleses e irlandeses católicos que se haviam fixado no Porto, por razões comerciais. Decerto é a esta origem que Júlio Dinis vai buscar o ambiente familiar do seu romance Uma Família Inglesa. Do pai Júlio Dinis herdou a profissão, também ele médico. Aliás um distinto médico da cidade do Porto, Dr. José Joaquim Gomes Coelho.
Apesar do desaparecer prematuramente, Júlio Dinis deixou títulos muito sonantes na Literatura Portuguesa: A Morgadinha dos Canaviais, Uma Família Inglesa, Serões da Província, Os Fidalgos da Casa Mourisca e, claro, As Pupilas do Senhor Reitor — uma obra que passados 150 anos da sua primeira publicação continua a suscitar interesse editorial.
A trama do romance As Pupilas do Senhor Reitor é simples. Algures numa aldeia em Portugal vivia um abastado lavrador, viúvo e com dois filhos: Pedro e Daniel. Na mesma aldeia viviam as irmãs Margarida e Clara (filhas do mesmo pai mas de mãe diferente). Ao longo do romance o leitor vai ficando a par dos amores e dos desencontros dos quatro jovens. Além disso, o romance apresenta uma riquíssima e colorida galeria de personagens como João das Dornas, João Semana, o inesquecível médico da província, João da Esquina, dono da loja, a Ti’Zefa, a coscuvilheira da aldeia, o Sr. Reitor, o Velho Mestre, entre outras…
Para uns o romance As Pupilas do Senhor Reitor é o retrato fiel de uma aldeia portuguesa oitocentista , para outros será literatura light, para outros ainda, caso de Alexandre Herculano, é o primeiro romance português e o seu autor «o maior talento da sua geração». Para a Imprensa Nacional, As Pupilas do Senhor Reitor, é indiscutivelmente uma obra fundamental da Literatura Portuguesa e por isso, em 2017, a Imprensa Nacional acrescentou este título à sua coleção «Biblioteca Fundamental da Literatura Portuguesa». Uma edição que inclui uma nota prévia do académico Carlos Reis e uma introdução e nota de bibliográfica de Maria do Rosário Cunha.
Inicialmente As Pupilas foram publicadas em folhetim, no Jornal do Porto, conhecendo o formato de livro em 1887. O sucesso foi imediato, sendo um dos romances mais vendidos nos séculos XIX e XX em Portugal. Muitas serão as razões para se explicar este sucesso. A simplicidade do estilo, muito afastado da escrita erudita de outros romances da época, a própria trama, as situações imprevistas, a intensidade dramática… Na nota à edição da Imprensa Nacional pode ler-se:
O romance As Pupilas do Senhor Reitor traça um quadro de costumes rurais e sociais que ajuda a compreender aspetos relevantes da vida portuguesa da segunda metade do século XIX.
Algumas vezes classificado como escritor de leitura fácil e amena, Júlio Dinis merece ser lido e relido para além dessa imagem de superficialidade e de idealizada visão das coisas e das pessoas. N’As Pupilas do Senhor Reitor encontramos muito mais do que isso, por exemplo, no respeitante à prática da medicina e à imagem do médico, bem como no tocante a opções éticas e morais que nos mostram, em personagens de desenho sugestivo, uma sociedade em mudança. Com justiça, as obras de Júlio Dinis (e em especial este romance) conseguiram sobreviver ao seu autor.
O êxito deste romance suscitou também várias adaptações para cinema. A primeira, em 1922, sob a direção de Maurice Mariaud. A segunda, em 1935, com realização e adaptação de Leitão de Barros. Anos mais tarde, em 1960, Perdigão Queiroga também levou a história aos ecrãs de cinema. A história também já foi adaptada para o formato de novela no Brasil em 1970 pela TV Record e, em 1995, pelo SBT.
O que parece demonstrar que, apesar de uma existência marcada pela doença e pela brevidade, Júlio Dinis conseguiu sagrar-se se não como um escritor maior entre os maiores, certamentente como aquele que alcançou maior aceitação entre os leitores.