A noção de património musical, a sua relevância histórico-social e o seu entrecruzamento com as ideologias, a religião e a política atravessam os ensaios reunidos neste volume, de autoria de Mário Vieira de Carvalho, agora publicado na coleção «Olhares» da Imprensa Nacional.
Património Musical e Diálogo Intercultural estrutura-se em 4 capítulos/ensaios. O primeiro, intitulado «Património musical: da legitimação ideológica à problematização crítica», aborda, numa retrospetiva que remonta à Antiguidade Clássica, alguns exemplos de contradições e, por vezes, intolerância extrema na constituição da doxa que legitima uma prática musical.
No estudo «Património musical e revolução: a colocação do problema no discurso teórico e no programa de ação de Anatole Lunatcharski» são objeto principal de análise (e discussão) os textos sobre música ou artes musicais, bem como sobre política cultural da autoria do dirigente bolchevista, que integrou o primeiro governo soviético na qualidade de comissário do povo para a Educação, cargo que exerceu até 1927.
Já o contexto colonial é o objeto do terceiro ensaio, cujo título — «A música entre a confrontação e o diálogo interculturais» — deixa transparecer a ambivalência das relações entre colonizador e colonizado, as estratégias de apropriação recíproca a que são expostos, numa dialética de confronto/diálogo não isenta de potencial emancipatório para ambas as partes.
No trabalho final deste volume, «A música na era da sua reprodutibilidade digital», Mário Vieira de Carvalho toma como referência alguns contributos de Walter Benjamin, nomeadamente o seu célebre ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936).
O património musical é discutido como produto de conflitos e contradições, ora ocultos, ora abertamente assumidos; ora resultantes do (des)encontro de culturas, designadamente em contextos coloniais, ora de ruturas históricas, como foi o caso das revoluções francesa e soviética, ora ainda de mudanças tecnológicas como a da emergência das esferas públicas digitais. Simultaneamente, ele apresenta-se-nos também como um medium privilegiado do diálogo intercultural. Num mundo tão conturbado pela intolerância e pelo fanatismo, importa mais do que nunca sublinhar essa dimensão, que valoriza a diversidade das expressões culturais e o entendimento entre os povos.
In contracapa
Sobre o autor
Mário Vieira de Carvalho é professor catedrático jubilado de Sociologia da Música e investigador do CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), unidade de investigação que fundou em 1997 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e dirigiu até à sua nomeação como Secretário de Estado da Cultura no xvıı Governo Constitucional (2005-2008).
Entre outras afiliações, é sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras — 9.ª Secção, Comunicação e Artes) e sócio honorário da Academia Europeia de Teatro Lírico (Viena), a cuja direção pertenceu (2001-2020).
Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa (1968), doutorou-se em Ciências Musicais pela Universidade Humboldt de Berlim (1985), com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.
Nas suas publicações científicas, que percorrem um leque variado de temáticas — música contemporânea, estudos de ópera, relações da música com a política, a literatura e as outras artes —, propõe-se pensar criticamente a música e a musicologia e cultivar o diálogo interdisciplinar, sem nunca perder de vista a música, ela própria, como conhecimento autónomo que não se esgota no discurso sobre ela.
Na Imprensa Nacional, Mário Veira de Carvalho publicou: A Tragédia da Escuta — Luigi Nono e a Música do Século XX, O Essencial sobre Fernando Lopes Graça (N.º 38), A 4 Mãos — Schumann, Eichendorff e outras Notas (com Fernando Gil) e Pensar é Morrer ou o Teatro de São Carlos na Mudança de Sistemas Sociocomunicativos desde Fins do Século XVIII aos nossos Dias