Manuel Paiva é natural do Porto, onde nasceu a 7 de janeiro de 1943 — ano em que o astrónomo Carl V. Seyfert publicou o famoso artigo sobre as galáxias em espiral. Em 1964, Manuel Paiva fixou-se em Bruxelas. Licenciou-se e doutorou-se em física na Universidade Livre de Bruxelas, respetivamente em 1968 e 1973. Foi professor de física na mesma Universidade e diretor do respetivo Laboratório de Física Biomédica. Participou em dez missões espaciais e foi presidente da Comissão Ciências da Vida da Agência Espacial Europeia e dos Fundos Educativos associados à Estação Espacial Internacional. Uma grande parte da sua investigação diz respeito ao estudo do sistema respiratório e a utilização de um teste que permite avaliar o funcionamento dos pulmões tanto dos astronautas como dos pacientes infetados com a Covid-19.
Durante a pandemia, e desafiado pelo conselho editorial da coleção «Comunidades Portuguesas», escreveu a sua autobiografia, Memórias de Um Cientista. De Estalinegrado à Covid-19, ou a Luta entre a Ciência e as Trevas. O resultado é «este precioso livro», nas palavras de Onésimo Teotónio Almeida, que o prefacia. Nele, prossegue Onésimo, «a vida de Manuel Paiva emerge como um céu aberto, numa narrativa cândida e transparente, recheada de janelas panorâmicas sobre uma miríade de temas, questões, assuntos surgidos ao longo do percurso (até um saboroso diálogo com Saramago!) capazes de estimular um diverso e variado leque de espíritos curiosos, atentos, e desejosos de ultrapassar as fronteiras do seu saber, ou do domínio dos seus saberes».
Ao longo de quase 250 páginas o leitor fica a conhecer a vida de Manuel Paiva, uma vida feita de encontros improváveis como quando recebeu, em sua casa, Menia Martinez e Stella Volkenstein, as intérpretes de Fidel Castro e de Nikita Khrouchtchev que exerceram as suas funções durante a crise dos mísseis, corria o ano de 1962. Não é por acaso que decidiu começar este livro com uma introdução à física nuclear.
Além dos magníficos ensinamentos, este livro de Manuel Paiva constitui um hino à interdisciplinaridade e à colaboração científica. É um livro que descreve a vida de um cientista comum, que soube aproveitar as oportunidades que se lhe depararam, «muitas vezes com sorte», ao longo da sua carreira. Este é também um livro de um homem que narra aqui uma viagem no tempo, física e mental, recorrendo ao exercício da memória. Uma memória que começa na Rua da Vilarinha, a dois passos da Igreja de Aldoar, e segue por aí fora:
Tinha 14 anos quando a União Soviética abriu a porta à era espacial com o lançamento do Sputnik, o primeiro satélite artificial. Quantos jovens pelo mundo fora não decidiram então escolher uma carreira científica? Pode parecer espantoso, mas ao mesmo tempo que a Rádio Moscovo anunciava a hora exata da passagem de um pontinho luminoso por cima das nossas cabeças, a Emissora Nacional afirmava, pela voz do seu especialista em astronáutica, que se tratava de propaganda soviética, pois era impossível lançar um satélite. Os que eram adolescentes em outubro de 1957 ainda se devem lembrar onde estavam quando souberam do lançamento do Sputnik. Eu ia no elétrico número 2, que vinha da Foz do Douro e subia a Avenida da Boavista ao longo do atual Parque da Cidade. Era o último que chegava antes do toque da campainha ao Liceu D. Manuel II e partilhava a viagem com condiscípulos que comentavam a grande notícia. A professora de matemática disse-nos que era graças à matemática que se podia calcular a trajetória do primeiro satélite artificial. Lembro‑me perfeitamente de ter ficado admirado por saber que os exercícios que fazíamos nas aulas serviam para esse tipo de cálculos, pois pareciam-me muito abstratos. Pensava que uma trajetória devia estar mais ligada à geometria que à álgebra que nos era ensinada. Tinha sido uma boa oportunidade para ligar as duas matérias.
Manuel Paiva in Memórias de Um Cientista
A coleção «Comunidades Portuguesas» pretende trazer a público testemunhos, documentos, ensaios e obras de criação literária respeitantes aos portugueses que vivem, trabalham e criam fora de Portugal. Com esta coleção, iniciativa conjunta do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, quer dar-se visibilidade e voz às nossas comunidades residentes no estrangeiro.