Celebramos hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
O país comemora a sua festa nacional. Festejamos a nossa história e a nossa língua, olhamos de frente para os reptos do nosso presente, para os desafios do nosso futuro. Homenageamos a diáspora portuguesa mundo fora. E fazemo-lo celebrando Camões. Afinal, somos um país de poetas.
Por isso mesmo o Prelo decidiu celebrar um grande poeta pela mão de outro grande poeta: Miguel Torga – o justo primeiro vencedor do mais alto galardão atribuído em Língua Portuguesa. Nem mais: o Prémio Camões. Estávamos em 1989. Antes disto, em 1987, Torga foi convidado a deslocar-se a Macau, por ocasião das celebrações do 10 de Junho, para fazer uma conferência sobre o autor d’Os Lusíadas, no Leal Senado. Mais tarde, viria a publicar essa conferência no vol. XV do Diário, tinha precisamente por título «Camões». Aqui um pequeno excerto:
O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie de obscura inocência e actuamos na História. A poder e a valer, nem sempre temos consciência do que podemos e valemos. Hipertrofiamos provincianamente as capacidades alheias e minimizamos maceradamente as nossas, sem nos lembrarmos sequer de que a criatura só não presta quando deixou de ser inquieta. E nós somos a própria inquietação encarnada. Foi ela que nos fez transpor todos os limites espaciais e conhecer todas as longitudes humanas.
Quatrocentos anos depois de a termos alargado até este Extremo Oriente, estamos aqui a despedir-nos de um recanto da pátria e a evocar Camões. Não, como disse, em termos formais, mas em termos factuais. É uma definitiva meta cronológica que irrevogavelmente assinalamos. E, numa circunstância tão significativa, tudo quando disséssemos e fizéssemos à revelia do maior de todos os portugueses seria lamentavelmente negativo. Sem a bênção do seu nome e o critério da sua universalidade, nem daríamos um penhor válido de nós, nem poderíamos ter a certeza de voltar. De voltar eternamente.
Macau, 10 de Junho de 1987
(in Diário, vols. XIII a XVI, D. Quixote)
Hoje, no Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas recordamos também alguns dos versos que Miguel Torga dedicou a esta figura maior da língua, da cultura e da literatura portuguesas, que hoje celebramos: Luís Vaz Camões.
Camões
Nem tenho versos, cedro desmedido
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.
Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto,
Chega aos teus pés e como que arrefece.
Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta de um império que era louco,
Foste louco a cantar e louco a combater.
Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insatisfeito
Que não teve regresso!
Na Gruta de Camões
Tinhas de ser assim:
O primeiro
Encoberto
Da nação.
Tudo ser bruma em ti
E claridade.
O berço,
A vida,
O rastro
E a própria sepultura.
Presente
E ausente
Em cada conjuntura
Do teu destino.
Poeta universal
De Portugal
E homem clandestino
Miguel Torga
In Antologia Poética, D. Quixote