Direis que não é poesia
e a mim que importa?
Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.
Eu grito porque respondo
às lanças que nos espetam
e aos braços que me chamam
E porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,
por estranhas telegrafias,
dos cantos mais ignotos
e das ilhas perdidas
e dos campos esquecidos
e dos lagos remotos,
e dos montes,
recebem longas mensagens e comunicações:
para que grite e cante.
O meu grito e meu canto é a voz de milhões.
Por isso que me importa?
Eu canto e cantarei o que tiver a cantar
e grito e gritarei o que tiver a gritar
e falo e falarei o que tiver a falar.
Direis que não é poesia
E a mim que importa
se eu estou aqui apenas para escancarar a porta
e derrubar os muros?
E a mim que importa
Se vós sois afinal o que hei de ultrapassar
e esmigalhar
em nome
de todos os futuros?
Eu sigo e seguirei
como um doido ou um anjo,
obstinado e heroico a caminho de nós
em palavras e ações
Por todos os vendavais
e temporais
e multidões
nos cantos mais ignotos
e nas ilhas perdidas
e nos campos esquecidos
e nos lagos remotos
e nos montes
— por terra, mar, e ar.
Direis que não é poesia
e a mim que importa!
Convosco ou não, meu galope é em frente.
Pertenço a outra raça, a outro mundo, a outra gente.
É andar! É andar!
(1942)
in Mário Dionísio, Poesia Completa
colação «PLURAL», Imprensa Nacional-Casa da Moeda
(em publicação)