Muitas Vozes — Toda a Poesia, 1950‑2010 percorre, em mais de 820 páginas, a produção de um dos poetas mais excecionais da língua portuguesa, Ferreira Gullar (1930‑2016), e é o mais recente título a entrar na coleção «Plural», uma coleção dedicada à poesia em língua portuguesa com a chancela da Imprensa Nacional.
Celebrado por Vinicius de Moraes como o «último grande poeta brasileiro», Ferreira Gullar tornou-se uma figura imprescindível no debate sobre poesia, arte, política e cultura. Ao combinar as memórias de infância em São Luís do Maranhão, a curiosidade em experimentar a linguagem e uma profunda inquietação com as questões sociais do país, os seus versos tornaram-se uma referência incontornável para gerações de leitores e escritores. Em 2010 foi condecorado com o Prémio Camões, o principal galardão atribuído em língua portuguesa, e quatro anos depois passou a integrar a Academia Brasileira de Letras.
Muitas Vozes — Toda a Poesia, 1950-2010 abrange os títulos A Luta Corporal (livro lançado originalmente em 1954), O Vil Metal (escrito entre 1954 e 1960 e incluído em Dentro da Noite Veloz, em 1975), Poemas Concretos/Neoconcretos (publicado como Poemas, em 1958), Romances de Cordel (escrito entre 1962 e 1967, incluído na primeira edição de Toda Poesia, em 1980, e publicado pela primeira vez em edição autónoma em 2009, com ilustrações de Ciro Fernandes), Dentro da Noite Veloz (1975), Poema Sujo (1976), Na Vertigem do Dia (1980), Barulhos (1987), Muitas Vozes (de 1999, e cujo título se usa para em Portugal apresentar esta recolha) e Em Alguma Parte Alguma (2010). De fora fica apenas Um pouco acima do Chão, datado de 1949 e nunca reeditado pelo autor.
Muitas Vozes — Toda a Poesia, 1950-2010 inclui também dois posfácios: «A fala ao revés da fala» e «Ferreira Gullar: vida e obra», de Antonio Cicero e Antonio Carlos Secchin, respetivamente (ambos poetas e também publicados na coleção «Plural»).
Ferreira Gullar (nascido José de Ribamar Ferreira) nasceu em 10 de setembro de 1930 em São Luís do Maranhão. Dois anos depois de publicar o seu primeiro livro, Um pouco acima do Chão (1949), mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nas redações do Jornal do Brasil e das revistas O Cruzeiro e Manchete. Em 1954, com o lançamento de A Luta Corporal, iniciou a sua trajetória pontuada pela experimentação da linguagem e pela incursão em movimentos literários e artísticos. Nessa época, participou na fase inicial da poesia concreta. No fim da década de 1950, rompeu com o projeto e organizou as diretrizes do neoconcretismo ao lado de nomes como Hélio Oiticica e Lygia Clark. As ideias do movimento seriam exploradas por Ferreira Gullar nos textos «Manifesto neoconcreto» e «Teoria do não-objeto», publicados no Jornal do Brasil em 1959.
Na década de 1960, foi eleito presidente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) e pouco depois filiou-se no Partido Comunista Brasileiro (PCB). A sua poesia incorporou, nesse período, um tom comprometido contra a injustiça social. O conteúdo político também passou a aparecer nas suas peças de cordel, nos seus ensaios críticos — como em «Cultura posta em questão» (1964) e «Vanguarda e subdesenvolvimento» (1969) — e na sua produção teatral, como em Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come (1966), escrito em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, e Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória (1968), com Dias Gomes.
Em 1968, com a promulgação do Ato Institucional n.º 5, o mais duro dos decretos emitidos pelo regime militar que resultou do Golpe de Estado de 1964, Ferreira Gullar foi perseguido e preso. Em 1971, obrigado a exilar-se, viveu em Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires. Na Argentina escreveu Poema Sujo, em 1975, celebrado como uma das principais obras da língua portuguesa do século XX. A publicação do livro, no ano seguinte, marcou o retorno do escritor ao Brasil.
No ensaio «Uma luz do chão», de 1978, Ferreira Gullar reflete: «Compreendi que a poesia devia captar a força e a vibração da vida ou não teria sentido escrever. Nem viver. Mergulhei assim numa aventura cujas consequências eram imprevisíveis». A produção do escritor — que, além de poeta e dramaturgo, atuou como artista plástico, crítico de artes, tradutor e autor de livros infantis — é marcada pelo lirismo, pela preocupação social, pela paixão carnal e pelo espanto com a vida. Os seus livros receberam muitos prémios. Em 2005, Ferreira Gullar foi distinguido com o Prémio Conrado Wessel de Ciência e Cultura e o Prémio Machado de Assis, o mais importante galardão literário brasileiro, da Academia Brasileira de Letras (ABL), ambos pelo conjunto da obra, e em 2010 foi condecorado com o Prémio Camões, principal distinção da língua portuguesa. Em 2014, passou a integrar a Academia Brasileira de Letras. Ferreira Gullar faleceu no dia 4 de dezembro de 2016, no Rio de Janeiro, aos 86 anos.
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