Possível sucursal da Imprensa Nacional no Porto.

  • Referência
    «Reclamações dos que trabalham — A sucursal no Porto da Imprensa Nacional», O Mundo, n.º 4470, de 18 de fevereiro de 1913, p. 3.
Assunto

Segunda entrevista ao deputado Ângelo Vaz sobre a eventual criação de uma sucursal da Imprensa Nacional no Porto.

Ficha

«Por determinação do Sr. ministro do interior, foi ao Porto o administrador da Imprensa Nacional de Lisboa proceder a um inquérito sobre a situação da classe gráfica daquela cidade, a pior possível, que a obriga a reclamar o estabelecimento ali de uma sucursal da Imprensa Nacional como meio único de pôr termo à dificultosa crise que vem atravessando. Sabe-se quanto os interesses dos humildes devem merecer da República particular desvelo. Sobre a justiça da reclamação dos gráficos do norte, razões que lhes assistem e possibilidade de pôr em breve realizável o projeto da ambicionada sucursal, já em duas entrevistas com quem esta subscreve se pronunciou na Pátria o administrador da Imprensa Nacional, guardadas todas as reservas que o cargo público que desempenha lhe ditava. Responde agora ao nosso inquérito sobre o momentoso assunto o ilustre deputado Dr. Ângelo Vaz […].
[…] — E os industriais?
— A atitude dos industriais era de prever. Em nada nos deve surpreender. É ditada por um interesse de classe um tanto estreito e egoístico mas… é humano. Compreende que a maior parte deles, embora, sob o ponto de vista político, não repilam e até aceitem e partilhem os princípios mais avançados, sob o ponto de vista económico, ainda estão com a doutrina da escola liberal do laissez faire, laissez passer. Julgam que no jogo cego das simples forças económicas entregues a si mesmas está a solução da maior parte das questões sociais. E relativamente à organização do trabalho ainda estão com o espírito fortemente impregnado da ideia de que a melhor fórmula é a monárquica. O atelier, a oficina, a fábrica não devem ser mais que uma monarquia em que o patrão impera, soberanamente quase sempre, despoticamente por vezes. E quão longe estamos ainda em Portugal de ver aceites e aplicados […] o desejo dos industriais […] será naturalmente que o Estado lhes conceda o fornecimento dos seus impressos. Tenho a arreigada convicção de que tal não sucederá. Podem algumas das instalações tipográficas estar muito bem montadas e a execução dos trabalhos ser perfeita, mas isso não é razão para que o Estado se deixe levar nos seus interesses não defendendo também os interesses do operariado.
— Quanto aos interesses da indústria? Serão acaso afetados?
— A sucursal da Imprensa Nacional no Porto não afetará em nada os interesses dos industriais. Não lhes fará concorrência porque nela só serão confecionados os impressos do Estado. […]
— Mas terão efetivamente os industriais algum argumento de valor contra a criação da sucursal da Imprensa Nacional reclamada para o Porto pelos seus operários?
— A meu ver só têm um. É que desde que esse melhoramento seja um facto, determinará uma elevação de salários, beneficiando sensivelmente a vida económica dos gráficos portugueses. Eis o ponto nodal da questão. Não só os operários que fossem empregados nas oficinas do Estado veriam mais bem retribuída a sua atividade, mas os mesmos que ficarem na indústria particular experimentarão a benéfica influência da ascensão no preço da mão de obra tipográfica. A sucursal desempenhará como que uma função reguladora dos salários, impedindo que eles desçam a importâncias irrisórias, verdadeiramente aflitivas como atualmente.
[…] — Diga-me ainda: se no calor da argumentação contra a realização desta obra de justiça surgir o velho argumento de que as administrações feitas pelo Estado dão sempre péssimos resultados?
— Estudem-se as verdadeiras causas desses maus resultados da administração. Remodelem-se os serviços, dê-se-lhes uma grande autonomia, impondo aos seus corpos diretores as máximas responsabilidades, e verão como o princípio de administração de empresas pelo Estado nada tem com as consequências atuais originadas em circunstâncias a que é alheio o próprio princípio. Creio ser esta mesma a orientação do nosso amigo Luís Derouet e a do governo sobre a Imprensa Nacional. Julgo que dentro em breve será presente ao parlamento uma proposta de lei remodelando os serviços da Imprensa e incluindo, é claro, a sucursal do Porto. É preciso desconhecer por completo os factos que se estão dando lá fora no domínio da economia pública, isto é, nos serviços económicos geridos pelas coletividades públicas (Estados, municípios, etc.) para combater a intervenção destas mesmas coletividades na organização da vida económica do nosso país […].»