Apoio médico prestado durante a epidemia de febre amarela.

  • Referência
    «Caixa de Socorros da Imprensa Nacional», A Federação. Folha Industrial dedicada às classes operarias, n.º 7, de 14 de novembro de 1857, p. 3.
Assunto

Agradecimento dos sócios da Caixa de Socorros da Imprensa Nacional ao médico Duarte Ferreira Severino, pelos serviços prestados durante a epidemia de febre amarela.

Ficha

«Durante a angustiosa crise por que a nossa infeliz capital está passando, a imprensa periódica tem tido ocasião de registar numerosas provas do mais acrisolado patriotismo, da mais inegável magnanimidade, da mais corajosa e dedicada abnegação, e finalmente de uma caridade sem limites, e de uma religião sincera e profunda.
O primeiro magistrado da nação, o nosso jovem e ilustrado monarca, deu o exemplo; e esse exemplo, que decerto ficará gravado em caracteres indeléveis nas páginas da nossa história, como nunca se apagará de nossos corações reconhecidos, tem sido admiravelmente imitado. Se o rei de Portugal se há mostrado digno dos heróis de quem descende; o povo de Lisboa não tem revelado menos as nobres qualidades que distinguem a raça portuguesa. Diante do flagelo que assola a metrópole, semeando por toda a parte o luto, a morte e a orfandade, os habitantes de Lisboa, curvando-se todavia resignados aos decretos da providência, souberam encará-lo com o valor que só pode dar a verdadeira piedade. Em todas as hierarquias sociais, desde as mais elevadas até às mais humildes, há muito que admirar; e é de grande consolação poder asseverar-se que os anais da presente epidemia oferecem já uma série de factos que exaltam a nossa terra, honrando a humanidade.
À longa relação de ações generosas de que tem dado notícia a imprensa, permita-se-nos que acrescentemos a que acaba de praticar o distinto cirurgião Duarte Ferreira Severino com a Caixa de Socorros da Imprensa Nacional.
Logo que se manifestou a febre amarela, o conselho administrativo daquela caixa, tomou, como era do seu restrito dever, as providências ao seu alcance para que aos sócios atacados fossem prestados os socorros com a prontidão que a gravidade da moléstia exigia. Neste empenho foi o conselho enérgica e desinteressadamente secundado pelo antigo clínico do monte pio da Imprensa Nacional o benemérito facultativo Bernardino Augusto da Silva Heitor, cujo zelo e solicitude pelos enfermos não pode com efeito ser excedido. Por infelicidade porém o sr. Heitor adoeceu da febre reinante, e o monte pio achou-se de repente privado dos serviços daquele hábil clínico. As circunstâncias eram na realidade muito críticas; apesar das excelentes condições higiénicas em que estão colocadas as oficinas da Imprensa Nacional a epidemia podia deixar de as respeitar, como tem respeitado relativamente; e dado este caso seria difícil acudir, com regularidade, aos sócios enfermos com os necessários e indispensáveis socorros. Nesta aflitiva conjectura [sic] o sr. Duarte Ferreira Severino, informado da situação embaraçosa deste monte pio, e da doença do seu colega Heitor, apesar de se achar fatigado por incessante trabalho desde o começo da epidemia, teve a bondade de encarregar-se do serviço que briosamente desempenhara o seu colega impedido; e já efetivamente entrou em exercício, mostrando-se deveras empenhado em corresponder à sua alta missão. Ainda mais, o sr. Duarte Ferreira Severino, convidado a apresentar uma proposta sobre a justa retribuição dos seus serviços, declarou que não queria remuneração alguma, folgando de ter esta ocasião de obsequiar os sócios da caixa de socorros e o seu colega e amigo Heitor, cumprindo um dever de caridade; e apenas, a poder de muitas instâncias, aceitou uma carruagem por espaço de alguns dias e somente duas horas em cada um, para com mais rapidez fazer a visita aos sócios doentes.
O simples enunciado deste facto, revela o generoso coração do sr. Severino, dispensando quaisquer comentários que porventura lhe pudéssemos fazer.
Receba o sr. Duarte Ferreira Severino estas mal traçadas linhas como uma demonstração ingénua da nossa gratidão, e creia que a acção que acaba de praticar lhe granjeou incontestável direito à nossa estima e reconhecimento, como ao de todos os sócios da Caixa de Socorros da Imprensa Nacional.
Lisboa, 12 de novembro de 1857. — O presidente, L. M. Matos e Lemos — O tesoureiro, J. J. das Neves — Os vogais, F. A. C. Tavares d’Abranches — J. C. de Freitas Sampaio — I. S. César — J. F. Saraiva — C. J. L. da Costa — B. A. Da Silva — Os secretários, F. de Paula Rodrigues — A. C. Pereira da Cunha.»