Sabe-se quando e como começa, mas não é ainda certo quando nem como irá terminar. A publicação das obras completas de Mário Soares pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda arrancou esta semana, com um número zero dedicado à sua primeira tentativa (falhada) de tese de licenciatura em Histórico-Filosóficas. Seguem-se muitos outros, sem um número definido de volumes. Porque é já claro que a edição do espólio todo de Mário Soares é uma tarefa gigantesca, com (até agora) mais de dois milhões de entradas e a «agravante» de a investigação ter já concluído que há um mundo de «surpresas» à sua frente. «Toda a sua vida foi de escrita constante», diz José Manuel dos Santos, coordenador da coleção e antigo colaborador de Soares. A história da democracia portuguesa passou por ali. «Esta é uma fonte insubstituível para o conhecimento dos séculos XX e XXI», garante. São muitos livros, mas também artigos, recensões, crónicas e até um romance inédito. A que se juntam milhares de cartas trocadas ao longo de décadas com personalidades de todas as áreas e de várias partes do mundo. Soares era «um colosso», disse, um dia, Jorge Sampaio, e Marcelo Rebelo de Sousa concordou com esta espécie de cognome no discurso do lançamento da coleção. A escrita estava-lhe na massa do sangue e os livros eram uma paixão de Mário Soares. «Os nossos amigos tinham mesada, nós tínhamos conta aberta na livraria», lembra Isabel Soares, filha do antigo Presidente da República e fundador histórico do PS. Pelo seu amor às letras, preservar a memória dos milhões de páginas que Soares guardou será um tributo. «Nenhuma homenagem lhe daria maior prazer», garante Isabel Soares. Mas uma das coisas que o grupo de investigadores concluiu, após os primeiros quatro anos de trabalho, é que há sempre novos dados a acrescentar ao espólio, repartido entre a casa do Campo Grande e Nafarros, entre a Fundação Mário Soares e os vários espaços por onde passou e deixou marca o antigo Presidente da República. A correspondência é uma das fontes desta investigação e o correio de Soares é um mundo por onde passam poetas e pintores, opositores e governantes, filósofos e cientistas. E, claro, muitos políticos. Todos eles com um papel na História recente de Portugal e do mundo. O Expresso teve acesso a alguns dos documentos inéditos e que são apenas uma ínfima parte do que existe por descobrir.
Texto de Rosa Pedroso Lima; Fotografia de José Fernandes.
in Expresso de 18/12/2021