O romance Uma Casa no Mundo, de Irene Marques, contemplado com o Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro na sua primeira edição, em 2019, vem inaugurar a «Coleção Comunidades Portuguesas», uma coleção que pretende trazer a público testemunhos, documentos, ensaios e obras de criação literária respeitantes aos portugueses que vivem, trabalham e criam fora de Portugal, numa iniciativa conjunta do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Está agora publicado e disponível nas livrarias.
Uma Casa no Mundo tem como pano de fundo uma casa de camponeses da região da Beira Alta: uma casa que sonha em ser mansão e se alastra pelo mundo, ou por vezes fora dele, tentando deslizar no sublime do transcendental, sempre guiada pelo etos de perfeição e realização. Trata-se de um romance que explora acontecimentos históricos específicos decorridos entre os fins do século XIX até depois da Revolução de Abril. Encontramos aqui de quase tudo: agentes da Pide, soldados jovens e idealistas encarcerados no mundo opressivo e violentíssimo da guerra colonial na Guiné-Bissau e em Moçambique que escrevem cartas profundamente relevadoras, generais de guerra brutos e psicopatas, a abjeta miséria física e psicológica dos colonizados e colonizadores, um médico que anseia ser escritor, mulheres abusadas por uma sociedade vinculadamente patriarcal e católica, um menino deficiente que tem uma visão do maravilhoso que no universo pode existir, amor inter-racial, e outras personagens que, sendo deste mundo, procuram outros melhores. Estamos perante um romance que revela a multiplicidade e complexidade do ser humano no seu universo imediato e distante, físico, psíquico, espiritual, mítico e místico: dir-se-ia uma veia com inúmeras artérias, todas estas se espalhando por vários cantos do universo, numa incessante busca existencial que pretende ampliar, consagrar e concretizar a potencialidade humana, esse latejante pulsar de todos nós, que sempre nos pede mais. A escrita mistura o realismo mágico, que também poderíamos designar de existencialismo místico, com o realismo social, de modo que a realidade sociopolítica se revela filtrada por uma envolvente ótica alegórica e esotérica.
in Contracapa
A autora, Irene Marques, é luso-canadiana, escritora bilíngue (português e inglês) e professora universitária (Universidade Ryerson) de Literatura e Escrita Criativa. É doutorada em Literatura Comparada, tem mestrados em Literaturas Francófonas e Literatura Comparada (Universidade de Toronto), bacharelados em Literaturas Francófonas e Lusófonas (Universidade de Toronto) e Assistência Social (Ryerson University). Nasceu em Adsamo, Serra do Caramulo, e emigrou para o Canadá em 1990, com 20 anos de idade, onde vive. É autora dos livros de poesia Wearing Glasses of Water (2007, Mawenzi House), The Perfect Un – Ravelling of the Spirit (2012, Mawenzi House) e The Circular Incantation: An Exercise in Loss and Findings (2013, Guernica Editions), da coleção de crónicas Habitando na Metáfora do Tempo: Crónicas Desejadas (2009, Edium Editores) e do romance My House is a Mansion (2015, Leaping Lion Books/York University). O seu segundo romance em inglês de título Daria sairá em 2021 no Canadá (Inanna Publications/York University). De entre as suas publicações académicas destacam-se o livro Transnational Discourses on Class, Gender and Cultural Identity (Purdue University Press, 2011) e diversos artigos em revistas e coleções internacionais, nomeadamente, African Identities: Journal of Economics, Culture and Society, Research in African Literatures, e A Companion to Mia Couto.
Por fim, de recordar que o Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro, além de homenagear a figura incontornável e exemplar de Ferreira de Castro, pretende reforçar os vínculos de pertença à língua e cultura portuguesas, bem como estimular a participação de portugueses residentes no estrangeiro e lusodescendentes, prestando, assim, às comunidades portuguesas dispersas pelo mundo o justo reconhecimento pelas atividades que desenvolvem nos seus países de acolhimento. Criado pela Imprensa Nacional em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Prémio Imprensa Nacional/ Ferreira de Castro dá continuidade à missão da editora pública de promoção e preservação do património da língua e da cultura portuguesas. O galardão tem uma periodicidade anual e distingue trabalhos inéditos nas áreas de Ficção e Poesia.