A literatura moçambicana de língua portuguesa tornou-se internacionalmente conhecida graças à obra de Mia Couto, vencedor do Prémio Camões de 2013, reconhecido como um dos mais geniais cultores e (re)criadores da língua, que tem contribuído de forma decisiva para a configuração do português de Moçambique e para o enriquecimento da língua portuguesa, jovem e promissora, una e plural. Neste ano de 2021, foram também notícia outros autores moçambicanos que escrevem em português: em outubro ficámos a saber que Paulina Chiziane, a primeira mulher moçambicana a publicar um romance, foi este ano a vencedora do Prémio Camões; já a 17 de dezembro, que David Bene, um jovem poeta nascido em 1993, foi o vencedor do Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura 2021, pelo seu trabalho O Vazio de Um Céu sem Hinos.
Moçambique é um dos países de língua portuguesa geograficamente mais distantes de Portugal: mais de 11 mil quilómetros separam Lisboa de Maputo; só Timor-Leste ultrapassa esta distância geográfica, com cerca de 19 mil quilómetros a separar Díli de Lisboa. Moçambique localiza-se na costa leste da África Austral e, além de ser banhado pelo oceano Índico, confina com a Tanzânia, o Maláui, a Zâmbia, o Zimbábue, a África do Sul e Essuatíni (antes Suazilândia). Com exceção da Tanzânia (que não tem língua oficial de jure e cuja língua nacional é o suaíli), todos estes países têm o inglês como (uma) língua oficial. Com uma extensão de mais de 800 mil quilómetros quadrados, não é de estranhar que Moçambique também albergue uma grande diversidade demográfica e linguística, referindo-se em geral a existência de cerca de 20 línguas da família das línguas Bântu, autóctones. Se pensarmos na vizinhança e na diversidade interna, não deixa de ser absolutamente extraordinário que, após a independência, em junho de 1975, o português tenha sido escolhido como língua oficial e de unidade nacional de Moçambique, como, ainda, que o português esteja hoje implantado na sociedade moçambicana como língua materna para a maioria das populações mais jovens e escolarizadas, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Moçambique constitui, entre os países africanos de língua portuguesa, aquele que mais tem progredido na descrição e codificação da sua variedade nacional, graças ao excelente trabalho de uma plêiade de linguistas de renome internacional. Ao nível do léxico, Moçambique distingue-se por contar com pesquisa significativa sobre o vocabulário do português moçambicano, desenvolvida sobretudo na Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira (Universidade Eduardo Mondlane); entre esses trabalhos, destacam-se o Observatório de Neologismos do Português de Moçambique (desde 2009), o Dicionário de Regências de Verbos do Português de Moçambique (1986-2020) (disponível em formato pdf), assim como o Vocabulário Ortográfico do Português de Moçambique (primeira edição de 2017), cuja segunda edição está a ser preparada. Já em 2021, teve início o projeto Dicionário do Português de Moçambique (DiPoMo), cuja primeira edição se prevê para 2027.
Se a literatura moçambicana não nos deixa dúvidas sobre a vitalidade do português de Moçambique, a linguística não tem sido menos determinante na afirmação da identidade moçambicana em português. A língua que nos une assume-se, assim, progressivamente mais pluricêntrica, rica e variada, mais capaz de enfrentar os desafios do século XXI.
É nesta língua, minha, nossa e do mundo, que a todos desejo um Natal tranquilo.
Crónica retirada daqui: https://www.dn.pt/opiniao/a-vitalidade-do-portugues-de-mocambique-14424990.html?fbclid=IwAR2knBvUnBZb-VDv-BLyeRCoEdDGjIGDvy3o52Gq5F7I5E1OhK_TAftGYcE