Há menos de dois anos, pelo aniversário do meu querido amigo Nuno Júdice, dizia-lhe que o seu sorriso confundia o bom povo da Mexilhoeira Grande, Portimão, e do mundo. Parecia estar a gozar. Não estava. E quem o não conhecesse que o lesse. Acrescentava que o Nuno andava assim desde mocinho.
O Nuno tentava esconder o que tinha por dentro. A gente espreitava e nada via de mal. Pelo contrário, tinha um mundo expansível, benigno, luminoso, literariamente insuperável no último quartel do século xx e neste primeiro do xxı. Não é tempo de criar aqui uma redundância descritiva da sua monumental obra literária e dos infinitos prémios nacionais e internacionais que recebeu. Estão com ele e connosco que, boquiabertos, os admiramos.
No domingo, o sorriso do Nuno desvaneceu-se. O seu mundo, ainda em expansão, continuará pelos séculos.
Nos últimos anos, andava a aturar o mais chato dos seus amigos. Este, e a sua incontinência verbal congénita assim o considera. Estávamos há uns anos a trabalhar na coordenação de uma nova edição das Obras Completas de M. Teixeira-Gomes, para a Imprensa Nacional, de que já saíram os três primeiros volumes.
Combinara com o Nuno estar esta semana, em Lisboa, para dar continuidade ao trabalho de preparação do volume ıv. Temos no prelo também, na Imprensa Nacional, um outro livro que trabalhámos em conjunto e que sugeriu que se chamasse Regresso a Teixeira Gomes — Estudos. Já não foi a tempo de concluir a nota prévia que se disponibilizara para fazer.
O trabalho irá continuar. Eu sei que o Nuno, e só ele o saberá como, inventará todas as palavras, que Deus até desconhece, para se manter comigo no corpo e no espírito destes trabalhos coletivos. E, sobretudo, a fazer a sua maravilhosa obra que continuará pelos inéditos que assomarão.
Esperarei pacientemente por eles, adornados pelo seu sorriso inextinguível.
José Alberto Quaresma
17 de março de 2024