Assinalam-se hoje os 130 anos daquele que é um dos nomes mais destacados e reconhecidos da Literatura em Língua Portuguesa: Fernando Pessoa, o mais universal dos poetas portugueses. Segundo dados do Observatório da Língua Portuguesa, depois de Paulo Coelho, José Saramago e Jorge Amado, Pessoa é o escritor em Língua Portuguesa mais traduzido mundo fora, ocupando o pódio no que aos poetas diz respeito.
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Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) nasceu no Largo de São Carlos, em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888. Eram 15:20h de um dia de Santo António. Por isso os pais escolheram-lhe o nome de Fernando António. António em homenagem ao santo, Fernando em homenagem ao nome de batismo do santo: Fernando de Bulhões.
Génio incompreendido em vida, Fernando Pessoa criou identidades várias e, por necessidade absoluta «de sentir tudo de todas as maneiras», desdobrou-se em múltiplos — a quem chamou heterónimos. Deixou cerca de 30 mil manuscritos assinados por mais de 72 autores (heterónimos) diferentes. Entre os mais conhecidos figuram Bernardo Soares, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alexander Search. Fernando Pessoa não sabia «quantas almas tinha» e continuamente «se estranhava».
Poeta, da escola dos modernistas, cultivou uma poesia voltada aos temas tradicionais portugueses e também — e sobretudo — ao lirismo saudosista, expressão do seu eu mais refundo, do seu desassossego, da sua intranquilidade, do seu tédio, dessa «dor que deveras sente». Além da Mensagem, saída em 1934, um ano antes da sua morte, os únicos livros que publicou em vida foram as coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I – II e III, publicados entre 1918 e 1921.
Só em 1968 começou o inventário da sua famosa arca. Em Portugal começava então a perceber-se a dimensão e a magnitude da obra pessoana. O mundo descobriu isso depois. E pasmou-se. Em 1985, por ocasião dos 50 anos da morte do poeta, a sua obra entra em domínio púbico. Nesse ano, e nos seguintes, o mercado do livreiro (nacional e internacional) mostrou um verdadeiro interesse pelo poeta. E a obra de Pessoa experienciou uma enorme expansão. Aumentaram também o número de trabalhos e teses académicas em torno do poeta para quem viver não era necessário, «necessário é criar». Em 1997, ao abrigo da diretiva da União Europeia (que fixava em 70 anos após a morte, o período de vigência dos direitos de autor) a editora Assírio e Alvim comprou aos herdeiros os direitos de edição — medida que viria a causar celeuma entre os editores de todo o mundo. Em 2005, cumpridos os 70 anos, a sua obra entra definitivamente em domínio público. Fernando Pessoa passou a ser livre outra vez.
A Imprensa Nacional dedica-lhe, entre outros títulos, a coleção «Edição Crítica de Fernando Pessoa», sob a coordenação do Professor Ivo Castro, a coleção de ensaios «Pessoana» e o primeiro volume da coleção infanto-juvenil «Grandes Vidas Portuguesas».
Ícone da literatura, múltiplo e divisível, universal e português, Fernando Pessoa tinha nele «todos os sonhos do mundo». Eram tantos que não cabiam na sua despretensiosa categoria de correspondente estrangeiro em casas comerciais. Dizia que não era «nada», que nunca poderia ser nada, mas pôs quanto foi no mínimo que fez. Hoje repousa ao lado dos maiores (Camões, Alexandre Herculano, Vasco da Gama) e é figura de culto para escritores, cantores, professores, artistas e leitores mundo fora. E hoje é o seu dia, o dia de celebrar o seu talento: inteiro e grande, como nos versos de Ricardo Reis.
Segue-se uma nota biográfica que Fernando Pessoa datilografou, pela sua própria mão, em 1935, meses antes de morrer. Tinha 46 anos.
NOTA BIOGRÁFICA (por Fernando Pessoa)
1935
Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.
Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.° 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.
Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e que foi director-geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral — misto de fidalgos e de judeus.
Estado: Solteiro.
Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta a de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão mas vocação.
Morada: Rua Coelho da Rocha,16,1.° dt.°, Lisboa.
(Endereço postal — Caixa Postal 147, Lisboa).
Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.
Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: «35 Sonnets» (em inglês), 1918; «English Poems III» e «English Poems III» (em inglês também), 1922, e o livro «Mensagem»,1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria «Poemas». O folheto «O Interregno», publicado em 1928, e constituindo uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.
Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali ducado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.
Ideologia política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reaccionário.
Posição religiosa: Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais diante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.
Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.
Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo mítico, de onde seja abolida toda infiltração católica-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: «Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação».
Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.
Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos—a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.
Lisboa, 30 de Março de 1935
In Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas, pelas Publicações Europa-América, em 1986.