São uma força brutal da natureza e fundadores da vida na Terra. São arquitetos de litorais com uma rede complexa de correntes. São autores de marés e são os senhores todos poderosos do clima. São fonte inesgotável de recursos e de sustento. Verdadeiras fortalezas de vida, dão abrigo a milhares de ecossistemas. Criadores e geradores de empregos, são uma autoestrada com via verde azul. Energia pura, são autênticas farmácias submersas. São causadores de medos mas também de glórias. Neles se fizeram heróis, neles se desfizeram vidas. Neles se fez a guerra. Neles se fez a paz. Neles se «espelhou o céu», como no verso de Pessoa. São minas preciosas de inspiração, recreação e descoberta. São «pais de todos os seres», como diz o poema edificador de Homero. «Património de Futuro», assim foram celebrados na Exposição Mundial de 1998. São o maior e menos explorado lugar do planeta – apenas 5% da sua extensão é conhecida. Talvez por isso, ainda hoje, refugiam sereias e tritões, metrópoles afundadas, perdidas, misteriosas. Guardadores perenes de galeões e de tesouros naufragados, viram crescer povos e erguerem-se culturas à sua volta. As suas ruturas causaram as maiores extinções na história do nosso planeta. Separaram continentes. Abocanharam cidades. Hoje em dia são eles que estão ameaçados. Todos os entoaram desde Camões a Antero, de Raul Brandão a Sophia, de Eugénio de Andrade a Manuel Alegre. Raro é o poeta que não sinta fascínio pelos Oceanos. Esta sexta-feira, dia 8 de junho, Dia Mundial dos Oceanos*, partimos em busca do que une estes grandes gigantes azuis à Poesia. E fazemo-lo pela mão de alguns dos autores da Imprensa Nacional. Para cinco oceanos, cinco grandes poemas.
CORRESPONDÊNCIA AO MAR
Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar;
De puro esforço, as velas são memória
E o porto e as casas
Uma ruga de areia transitória.
Sinto a terra na força dos meus pulsos:
O mais é mar, que o remo indica,
E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.
Eu, ali, uma coisa imaginada
Que o eterno pica,
Vou na onda, de tempo carregada,
E desenrolo:
Sou movimento e terra delineada,
Impulso e sal de polo a polo.
Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que só teve em mim —
Que onde ele acaba, o coração começa.
Começa pelo aro das estrelas
A compasso retido em mente pura
E avivado nos vidros das janelas.
Começa pelo peito das baías
Ao rosar-se e crescer na madrugada
Que lhe passa ao de leve as orlas frias.
E, de assim começar, é abstrato e imenso:
Frio como a evidência ponderada,
Quente como uma lágrima num lenço.
Coração começado pelos peixes,
És o golfo de todo o esquecimento
Na mínima lembrança que me deixes,
E a Rosa dos Ventos baralhada:
Meu coração, lágrima inchada,
Mais de metade pensamento.
Vitorino Nemésio
Poesia (1916-1940)
HORIZONTE
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.
Fernando Pessoa
Mensagem
POEMA DO MAR E DA SERRA
Ó mar de que não sei nada
Nem vejo que desvendar,
És só a mais larga estrada
Para ir e voltar!
Eu sou lá dos montes
Que medem o céu,
Sou das frias serras onde primeiro o Sol nasceu
E onde os rios ainda são apenas fontes.
Sou de onde as árvores falam
A língua que eu conheço,
Onde de mim sei tudo
E do resto me esqueço.
Lá, tenho olhar de estrelas a luzir
E tenho voz de guardador de rebanhos,
Passos de quem só desce pra subir,
Mãos sem perdas nem ganhos.
Contigo falo, ó mar,
Se a Lua vem do céu passear no mundo,
Tornando-te a planície do luar
Sem ecos nem mistérios de profundo.
Mas só lá sou da terra e a terra é minha,
Só lá eu sou do céu e o céu é para mim,
Ó serra aonde há tal serenidade
Que nada tem começo
Nem fim.
Branquinho da Fonseca
Obras Completas, vol. I
DELFOS, OPUS 12
11
«Penetra de alma pura no templo do deus puro.
Mergulha os membros nas águas de Castália.
Ó peregrino, só uma gota basta ao homem de boa mente.
E a água do oceano não apaga
a mancha do malvado.»
O que é pureza e é saúde,
o que em tudo respira equilibrado,
ele que detesta a sujidade
limpa a limpeza do coração já limpo.
E as Erínias enfim serão vencidas.
Pedro Tamen
Retábulo das Matérias
UMA LÁGRIMA NO MAR
Falou-me da nostalgia
que nos roubaram quando
levaram deus e no seu
lugar apenas restou
uma ténue luz, um vulto
ou… uma sombra, talvez.
Desde então, dizia, resta-nos
perseguir essa quimera,
julgá-la dentro de nós.
Conhece-te a ti mesmo
está bem… Mas instantes há
em que nos falta um nexo,
e então é deus que nos
falta. Orgulhosamente
sós, pois bem. Nem sequer
um beijo da nostalgia
Mário Avelar
Coreografando Melodias no Rumor das Imagens
* Curiosidade
O Dia Mundial dos Oceanos foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2008. Contudo, muitos países já comemoravam a data após a Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Todos os anos a data é assinalada a 8 de junho e pretende sensibilizar para a importância dos mares e oceanos, apelando para a sua conservação.