O Espólio Pessoa. Para uma História das Edições e dos Critérios Adotados do italiano Simone Celani, com tradução de Patrícia Ferreira, dá-nos uma breve introdução à filologia pessoana e à história das edições, a partir de um regresso ao estudo cauteloso dos originais de Fernando Pessoa.
Percorrendo a imensidão de papéis do espólio pessoano, destaca‑se um paradoxo: a notável produtividade do grande poeta português era proporcional à sua quase total incapacidade de levar a termo qualquer obra. A principal questão que se levanta perante a observação desta evidência é: como foi possível transformar Pessoa em livro? O presente ensaio pretende dar resposta a esta pergunta.
Apenas as palavras de Fernando Pessoa poderão, com conhecimento de causa, dar uma ideia concreta do produto da sua genialidade incontrolável e caótica. O estado incompleto e a precariedade em que se encontram os seus originais parece confirmar essa visão complexa, quase confusa («a bruma»), esse fervilhar contínuo de ideias. E a metáfora encenada por Pessoa nas cartas a Mário Beirão para exprimir a sua criatividade multifacetada deve ser efetivamente tomada à letra. Os suportes usados são muitas vezes de péssima qualidade, em grande parte reciclados de outros usos, recortados, utilizados várias vezes; os instrumentos gráficos são puramente ocasionais, com grande predomínio do lápis.
Simone Celani in O Espólio Pessoa
O Espólio Pessoa. Para uma História das Edições e dos Critérios Adotados está publicado na coleção «Pessoana», uma coleção da Imprensa Nacional em colaboração com a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
De salientar que desta coleção já foram publicados os seguintes ensaios: Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), Planeamento Editorial de Fernando Pessoa, Do Caos Redivivo: Ensaios de Crítica Textual sobre Fernando Pessoa e Os Anos da Vida de Ricardo Reis (1887-1936).
Pessoa era um homem complexo; queria conter tudo, e por isso não conseguia dar uma conclusão a nada. E no entanto, no seio da total «imperfeição» da sua obra encontramos momentos, frases, versos, que não poderiam ser escritos de outra forma, que são indubitavelmente completos, de alguma forma perfeitos. Sem esquecer que tudo o que não tem uma conclusão permanece aberto a todas as teias do possível, uma espécie de visão quadridimensional da existência; porque, como se sabe, «incompletude» é sinónimo de «infinito».
Simone Celani in O Espólio Pessoa