Turquesa, de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, é a mais recente novidade da coleção «Plural». O volume reúne os poemas dos livros Vento (1983), Conhecedor de Ventos (1987), A Próxima Cor (1993), O Valete do Sétimo Naipe (1994), A Sorte Favorece os Rapazes (2001), O Afastamento Está Ali Sentado (2002), Malva 62 (2005), Dióspiro (2007), A Casa da Meia Distância (2010) e Já Passei Por Aqui (2015).
Turquesa conta ainda com um longo e brilhante Prefácio, «Excentricidade e Extemporaneidade da Poesia de Daniel Maia-Pinto Rodrigues», de autoria do também poeta Rui Lage.
A condição de Daniel Maia-Pinto Rodrigues na poesia portuguesa é uma condição excêntrica e extemporânea. Excêntrica por referência ao centro gravítico da Literatura enquanto instituição e fenómeno sociológico. Extemporânea porque desancorada da historicidade, a começar pela história da poesia; porque existe nos seus próprios termos, deslaçada das aporias e disforias daquilo que apelidamos de contemporaneidade. Dessa excentricidade e dessa extemporaneidade brota o seu efeito de estranhamento; e, porventura, o seu salvo-conduto para o porvir.
Poeta extraviado do território onde atuam as instâncias legitimadoras da instituição literária — ou o que resta delas —, dissociado de qualquer genealogia ou corrente estética reconhecível, grupo ou publicação coletiva, alheado de polémicas e querelas (hoje, de resto, praticamente extintas), a sua «fortuna» editorial tem oscilado entre o artesanal e o marginal, com a ressalva das defuntas edições Quasi, onde surgiu, em 2002, a sua primeira recolha antológica (O Afastamento Está Ali Sentado), e, em 2007, a sua obra poética completa (Dióspiro. Poesia Reunida: 1977-2007). Essas duas publicações, a que se vem juntar a presente antologia, constituem o zénite de um percurso iniciado com Vento, em 1983, e que abarca uma dezena de livros. Face a essas duas recolhas, a crítica fez-se desentendida ou, inábil para lidar com a sua singularidade, caiu no equívoco. Assim tem sido até hoje.
Rui Lage in Prefácio
Daniel Maia-Pinto Rodrigues nasceu no Porto em julho de 1960. Turquesa é o seu vigésimo livro. O livro A Próxima Cor foi distinguido com o 1.º Prémio Nacional Foz Côa Cultural em 1986 e obteve a Menção Honrosa / Novos Valores da Cultura, atribuída pelo Ministério da Educação e Cultura, segundo o parecer do júri constituído por Fiama Hasse Pais Brandão, Vasco Graça Moura e José Fernando Tavares, em 1988.
O volume Dióspiro, Poesia Reunida (1977-2007), com um ensaio de Rui Lage, foi considerado, pela Universidade do Minho, o melhor livro de poesia editado em Portugal no ano de 2007. Mário Cláudio, Rosa Maria Martelo, Pedro Eiras, Manuel António Pina e Rui Lage escreveram, em prefácios e posfácios, sobre a sua obra. Daniel Maia-Pinto está representado em mais de trinta antologias literárias, diversas das quais publicadas pelas principais editoras portuguesas.
CONTO DE INVERNO
Era no inverno
e mais do que no inverno, no passado.
Andando um tanto ao acaso
dão connosco pela frente
os bosques da América do Norte.
O inverno, como tendo em conta o nosso esforço
não se nos apresenta rigoroso.
Por aí se vê que a natureza
apesar de bastante fria
continua acessível a um europeu do sul.
Dir-vos-ei apenas que cheguei era já noite
e dispenso-vos as minudências
as atitudes mais ou menos adivinháveis —
apresentações, perguntas, pequenas curiosidades —
até porque não as houve em demasia
e avançava já para a esplêndida sensação
proporcionada pela iminência do alce.
Não querendo carregar nas teclas do fantástico
sublinharia porém o tremeluzir do acampamento
à luz da fogueira, a disposição das personagens
a musicalidade de ralos e de mochos
A noite era imensa entre o arvoredo
como nunca mais o veio a ser
e a lua refletir-se-ia por certo
em algum charco que eu haveria de ver
uns determinados dias depois.
O acampamento era irreal
de tão perfeito nas suas premissas
e alguém que se afastasse
ainda que impercetivelmente
dava a quem o visse
a inexplicável certeza
de toda uma razão de existir.
Um qualquer arfante perigo encantatório
passeava-se atávico
na escuridão do bosque de coníferas.
Adormeci ao som das brasas
derretendo a gordura dos ossos do corço
e sonhei com o meu tempo
que estaria, sem que bem me apercebesse
para advir em tempos de máquinas
e de capacidades intelectuais proveitosas.
Turquesa, págs. 131 e 132
Turquesa teve direção literária de Jorge Reis-Sá, capa e design de André Letria. A revisão de texto é de Mário Azevedo. A paginação, impressão e acabamentos da responsabilidade da Imprensa Nacional-Casa da Moeda.