O Resto do meu Nome, de Alexandra Barreiros, é um conjunto de crónicas que recebeu o Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro 2021 e tem por fio condutor o sonho. É por ele, e através dele, que nos podemos aproximar de uma coincidência absoluta com a vida. A Ítaca de Ulisses será, simultaneamente, ponto de partida e destino, porque, seja ela vivida ou idealizada, a infância será sempre uma Ítaca, e nós sempre quem a perdeu, nesta improvável viagem que nos distancia cada vez mais dela, ou seja, de nós próprios, da nossa mais íntima realidade.
O Resto do Meu Nome, de Alexandra Barreiros, é uma Odisseia de extraordinárias aventuras, todas elas motivadas pelo tema obsessivo do regresso a um deslumbramento que surge da infância, e a ela nos devolve através da própria escrita. Mas estas crónicas são, também, um conjunto de meditações e impressões diversas, recolhidas ao acaso, de viagens mais ou menos concretas, errâncias de Bruxelas a Lisboa, passando por cidades como Paris, Nova Iorque, Viena e Helsínquia; um verdadeiro journal de bord, que salta no espaço e no tempo dessa viagem interior.
Bruxelas. Cidade tristonha, onde a chuva, como tudo o resto, é intermitente. Luz mortiça e pós-apocalíptica que um céu baixo e rabugento emite sem entusiasmo. «Le ciel est bas et lourd comme un couvercle…» («O céu é baixo e pesado como uma tampa»), dizia Baudelaire, que não gostava da capital belga. Quanto a Voltaire, definiu‑a como um sítio onde se apaga a imaginação. Ambulâncias, lixo e tédio no desconcertante desencanto de cada esquina. Mas na minha infância, que lá passei, não houve senão dias de sol. Chego a concluir que uma infância feliz pode tudo, até transformar Bruxelas num paraíso. Passeio por Bruxelas, e sinto em mim uma dúvida constante, a dúvida de lá ter vivido criança, de ter sido eu ali, e não outra pessoa noutro lugar qualquer. Ou, antes, de ter passado a ser outra, aqui, tão longe, perdida numa meditação solitária, com o passo incerto de quem sabe que está a sonhar, mas nem por isso acorda, e continua estranhamente a sonhar, numa obstinação involuntária; triste agonia da sensibilidade… Procuro não sei o quê, ou, pelo menos, parece-me que procuro qualquer coisa, uma coisa que talvez seja a porta de vidro e grades verdes da minha antiga casa, na avenue des Ajoncs.
Alexandra Barreiros in O Resto do meu Nome
Alexandra Barreiros nasceu em Lisboa em 1969. Aos 3 anos, a família mudou-se para Paris, onde o pai exercia funções de diplomata. A errância pelo mundo, característica de O Resto do Meu Nome, iniciou-se muito cedo e continua até aos dias de hoje. Tem um mestrado em Relações Internacionais obtido em Viena. Começou a sua carreira docente lecionando Francês e Inglês na Universidade de Finanças e Gestão de Varsóvia, e também lecionou Literatura no Centro Cultural Francês de Helsínquia e na Universidade Europeia de Bruxelas. Vive com o marido e os dois filhos em Genebra, onde ensina Francês como Língua Estrangeira.
COLEÇÃO COMUNIDADES PORTUGUESAS
A Coleção Comunidades Portuguesas pretende trazer a público testemunhos, documentos, ensaios e obras de criação literária respeitantes aos portugueses que vivem, trabalham e criam fora de Portugal. Com esta coleção, iniciativa conjunta do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, quer dar-se visibilidade e voz às nossas comunidades residentes no estrangeiro.
PRÉMIO IMPRENSA NACIONAL/FERREIRA DE CASTRO
O Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro, além de homenagear a figura incontornável e exemplar de Ferreira de Castro, pretende reforçar os vínculos de pertença à língua e cultura portuguesas, bem como estimular a participação de portugueses residentes no estrangeiro e lusodescendentes, prestando, assim, às comunidades portuguesas dispersas pelo mundo o justo reconhecimento pelas atividades que desenvolvem nos seus países de acolhimento. Criado pela Imprensa Nacional em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Prémio Imprensa Nacional/ Ferreira de Castro dá continuidade à missão da editora pública de promoção e preservação do património da língua e da cultura portuguesas. O galardão tem uma periodicidade anual e distingue trabalhos inéditos nas áreas de Ficção e Poesia.