A Imprensa Nacional acaba de disponibilizar a 3.ª edição revista, bilingue (português/latim) e muito aguardada de Confissões, de Santo Agostinho. Esta edição da editora pública conta com tradução e notas de Arnaldo do Espírito Santo, João Beato e Maria Cristina de Castro‑Maia de Sousa Pimentel. Conta ainda com Introdução de Manuel Barbosa da Costa Freitas e notas de âmbito filosófico de Manuel Barbosa da Costa Freitas e José Maria Silva Rosa.
Um clássico do cristianismo, as Confissões, de Santo Agostinho, são um daqueles livros que pedem infinitas interpretações. No dizer de Eduardo Lourenço, são obra mítica da Cultura Ocidental.
Na verdade, se por mítica se entende aquela obra que, ao dizer e confessar, está simultaneamente a criar uma demanda originária, que enraíza matricialmente numa mundividência sobre a qual exerce um fascínio quase inexplicável, então a história da sobrevida e da tradução das Confissões torna pertinente tal designação. É inegável que, se o género confessional não foi inaugurado por Santo Agostinho, foi ele quem, com as Confissões, mais divulgou a literatura de viagens interiores, de autobiografia íntima, de subida às moradas e aos palácios da memória que marcou, profundamente, a nossa espiritualidade e contribuiu para um processo de elaboração da nossa consciência.
A liberdade, a amizade, a procura, o encontro, a alegria, o louvor; as emoções, os sentimentos, a razão, a fé; a criação, o tempo, a memória, a eternidade; o mal, o pecado, o erro, a culpa, a ilusão e a desilusão: eis a experiência de um homem de carne e osso que, em toda a sua riqueza e complexidade, converge para as Confissões, e que releituras sucessivas de certo modo universalizaram e concretizaram.
Pode‑se dizer que as Confissões são simultaneamente uma obra de psicologia, de filosofia, de teologia, de poesia e de mística, embora tudo isto se conjugue para demonstrar a intervenção de Deus através de todas as causas segundas no itinerário espiritual de Agostinho (Pierre Courcelle, Recherches sur les Confessions de saint Augustin, Paris, 1950, p. 27). Como relato autobiográfico, as Confissões constituem, a par do De Anima de Tertuliano e do Diálogo de Gregório de Nissa com a sua irmã Macrina sobre a alma e a ressurreição, uma das primeiras etapas na constituição duma psicologia racional. Contudo, os temas que vêm sendo estudados com maior empenho são a sua origem e a data de composição e, mais particularmente, o seu valor histórico e unidade temática. É praticamente impossível datar com absoluta precisão a redação das Confissões. No entanto, sabe‑se que estava terminada nos fins de 400. Sobre o seu valor histórico, manteve‑se, durante quase um século, uma acesa discussão, que hoje se pode considerar praticamente encerrada, decidindo‑se a maioria dos autores, graças à distinção entre factos e juízos, pela veracidade histórica dos factos narrados por Agostinho (cf. P. Labriolle, «Introduction» a Les Confessions, Les Belles Lettres, Paris, 1925).
In Introdução
Ler ou reler as Confissões é ampliar, com o nosso, o seu testemunho. É esta a leitura apropriada, pois o pensamento augustiniano, mormente nas Confissões, reverte o tempo crónico — esse devorador dos seus próprios filhos — pela remissão para uma ordem sincrónica que pode ser, nesta hora, uma vitória sobre o desespero e o terror do tempo. É, por isso, um pensamento aberto ao possível e, talvez, ao impossível. E isto é o que mais importa pensar.
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