Ficha
«A Imprensa Nacional de Lisboa, velho estabelecimento do Estado que se deve à iniciativa do Marquês de Pombal — alvará de 24 de dezembro de 1768 — recebeu ontem, à tarde, a visita do ilustre Ministro do Interior, tenente-coronel Júlio Botelho Moniz.
Situado no lugar chamado da Cotovia, quase fronteiro ao antigo Colégio dos Nobres, ali se instalou, primitivamente, no palácio de D. Fernando Soares de Noronha, a tipografia do impressor do Santo Ofício, Miguel Manescal da Costa, adquirida depois pelo Estado pela quantia de 2.000$000 reis.
Por numerosas transformações passou depois aquele estabelecimento que atualmente se compõe de quatro corpos, ligados entre si.
No primeiro corpo, instalaram-se os serviços administrativos, a biblioteca, posto médico, farmácia, arquivo, balneário e o refeitório.
No segundo e terceiro corpos encontram-se em vários andares as oficinas de composição, gabinete da revisão, oficinas de brochura e encadernação, oficina litográfica, secção de composição mecânica, armazéns de impressos, oficina do alçado, armazém de materiais e a oficina de impressão.
No último corpo do edifício, funcionam a escola de composição, a oficina de gravura, a fundição de tipos e respetivo armazém de venda.
Em vários anexos estão instaladas a central elétrica e as oficinas de serralharia e carpintaria.
Tudo isto o ministro viu na visita de ontem que, para ser minuciosa, levaria pelo menos algumas horas, tantos os serviços que ali se encontram administrados pelo Sr. António Gomes Bebiano.
O ministro deteve-se alguns momentos a conversar com o pessoal das oficinas.
Às 16 horas o Ministro do Interior, acompanhado pelo seu secretário Dr. Pedro de Bourbon, chegou ao edifício da Imprensa Nacional, onde o aguardavam os Srs. Dr. Mário Matias, adjunto da Direção Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior; António Gomes Bebiano, administrador da Imprensa Nacional; Ernesto Gomes, secretário; Carlos Amoedo, inspetor das oficinas; Manuel da Silva, tesoureiro; Brás Frazão e Amílcar Pires, respetivamente, chefe e subchefe dos serviços tipográficos.
O Ministro percorreu todas as dependências do edifício, quedando-se alguns momentos a conversar com os chefes das oficinas e inquirindo como decorriam os serviços que estavam em plena laboração.
O administrador da Imprensa Nacional, que acompanhava o tenente-coronel Júlio Botelho Moniz, elucidava-o, também, acerca dos trabalhos que naquele momento eram executados, referindo-se a muitos outros que ultimamente têm saído das suas oficinas.
Na tipografia e na litografia, esplendidamente montadas, dispondo das melhores condições higiénicas, o Ministro examinou alguns trabalhos que operários especializados haviam realizado e, na oficina de gravura, admirou interessantes modelos de punções, destinados às matrizes para o tipo.
Nos restantes serviços e secções, onde o pessoal se encontrava a trabalhar, o Ministro inteirou-se dos trabalhos e assistiu à tiragem do Diário do Governo nas grandes máquinas impressoras.
Nas oficinas de gravura, de fundição e na central elétrica, esta última a cargo do antigo desportista Jorge Vieira, o tenente‑coronel Júlio Botelho Moniz trocou impressões com os respetivos chefes sobre o funcionamento e execução dos múltiplos e complicados maquinismos.
‘Bem vindo seja Sr. Ministro; porque nós temos a certeza de que V. Ex.ª vem por bem’ — declarou um funcionário em nome de todo o pessoal.
Após a visita às oficinas, o tenente-coronel Júlio Botelho Moniz dirigiu-se para a biblioteca e trocou impressões com o respetivo encarregado Dr. João Gaspar Simões, o qual teve o prazer de elucidar o Ministro acerca das obras ali existentes, sobretudo das que dizem respeito à legislação — a coleção mais completa que existe no País.
O encarregado da biblioteca, com a maior solicitude, mostrou ao Ministro algumas encadernações de luxo e outras obras que o Estado Novo ali tem mandado imprimir.
Em nome de todo o pessoal que ali trabalha, o funcionário Manuel da Silva Martins, depois de pedir autorização aos seus superiores, proferiu o seguinte e expressivo discurso.
“Sr. Ministro
“Dando continuidade ao programa que o Sr. Ministro a si mesmo se impor, coube agora a honra à Imprensa Nacional de Lisboa de ser visitada por V. Ex.ª Ao pessoal da I. N. apraz-lhe registar que os membros do atual Governo não se resignaram à cómoda posição de esperar, nos seus gabinetes, que subissem até eles — através da teia burocrática — as necessidades, os clamores e porventura quaisquer injustiças que possam correr pelos serviços seus subordinados. Haja em vista a viagem de S. Ex.ª o Ministro das Colónias às terras do Império, a de S. Ex.ª o Subsecretário das Obras Públicas pelas ilhas adjacentes e as dos Ex.mos Ministro e Subsecretários da Economia através do Continente, investigando ‘in loco’ das causas para depois no sossego dos gabinetes poderem curar melhorar dos efeitos.
“O pessoal da I. N. ao desejar as boas-vindas deseja exprimir a V. Ex.ª que o Governo da nação, em todas as vicissitudes, em todas as circunstâncias, tem sempre encontrado e sempre encontrará estes seus servidores no seu posto.
“Dizia um ilustre diretor geral do Ministério de V. Ex.ª ao ser avistado pela direção do Grupo Desportivo e Recreativo do Pessoal da I. N. apreciando a sua conduta, que ‘este pessoal sabia o que queria’. É bem assim, Sr. Ministro. Embora considerando pessoal operário, tem um nível intelectual superior ao da generalidade do operariado, superioridade que é devida ao seguinte: a I. N. tem escolas profissionais, onde são admitidos aprendizes dos 15 aos 18 anos, a quem são exigidas habilitações literárias nunca inferiores ao 3.º ano dos liceus, e já pela cultura que trazem já pela que adquirem aqui pela profissão, porque as profissões que aqui se exercem são intelectualizantes, e ainda pela que procuram adquirir, estimulados pela administração, conseguem atingir um nível cultural algo elevado com os naturais reflexos no desempenho das suas funções.
“O mesmo se poderia dizer sob o ponto de vista da técnica. A I. N. não é um mero estabelecimento produtor do Estado. A I. N. é uma escola. Desde o alvará da véspera do Natal de 1768. Que criou a Impressão Régia até os dias de hoje, tais foram os desígnios que sempre têm norteado a sua laboração. Nos trabalhos que saem dos seus prelos consegue-se-lhes imprimir uma característica própria, um estilo muito seu. As obras saem daqui tecnicamente impecáveis. A atestá-lo há os inúmeros ofícios recebidos na I. N. de entidades oficiais, elogiando e agradecendo a boa colaboração do pessoal da I. N. em trabalhos aqui feitos, ofícios que a administração, num incentivo de mais e melhor, faz publicar em ‘Ordens de Serviço’. Mas quantas vezes em que circunstâncias são executadas essas obras?! Enfim, nas circunstâncias precárias que, para não quebrar a tradicional disciplina que os governantes da Nação têm encontrado dentro da I. N., a não compete apreciar, deixando portanto Ex.mo Sr. Administrador — que melhor do que ninguém o poderá fazer — a faculdade de as expor a V. Ex.ª
“É frequente nas casas típicas portuguesas encontrar-se a legenda em azulejos, nos limiares das alpendradas: ‘Bem vindo seja quem por bem vier’.
“O pessoal da I. N. — porque sabe o que quer — quereria neste momento ter também, mas agora gravada a letras de oiro, no limiar das instalações deste templo de trabalho, a seguinte inscrição: — ‘Bem vindo seja, Sr. Ministro; porque nós temos a certeza de que V. Ex.ª vem por bem’.”
Palavras do tenente-coronel Júlio Botelho Moniz
Seguidamente o administrador da Imprensa Nacional, António Gomes Bebiano, ofereceu ao Ministro um exemplar da edição especial dos ‘Lusíadas’ revista por Afonso Lopes Vieira e pelo Prof. José Maria Rodrigues e dois volumes das obras de Pedro Nunes.
O tenente-coronel Júlio Botelho Moniz, testemunhou, depois, o seu reconhecimento ao administrador e ao pessoal sob as suas ordens pela excelente impressão colhida na rápida visita que fizera.
Elogiou os serviços administrativos e técnicos e afirmou, que o pessoal deve estar reconhecido ao seu administrador pelo carinho e interesse que sempre tem posto nos assuntos inerentes às suas funções.
Por último o Ministro assinou o livro das visitas e escreveu a seguinte declaração: ‘Levo desta visita à Imprensa Nacional as melhores impressões da forma como todos, dirigentes e pessoal, trabalham pelo progresso da Nação — Júlio Botelho Moniz.’
Com breves palavras, o Sr. António Gomes Bebiano agradeceu a honrosa visita do Ministro do Interior e apresentou-lhe cumprimentos em nome do pessoal.
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São as seguintes as primeiras palavras que abrem o Livro dos Visitantes e que pertencem ao Rei D. Luís:
‘Folgo sempre, quando posso, elogiar qualquer estabelecimento do Estado. Este está neste caso — 4-9-1863’
Mais adiante vêem-se as assinaturas de Dona Maria Pia; D. Carlos, Duque de Bragança — 1880 — e do Senhor Arcebispo de Évora, este com os maiores louvores ao pessoal da Imprensa.
Suas Majestades, D. Carlos e Dona Amélia, também ali têm expressivas palavras, quando da sua primeira visita à Imprensa Nacional.
Altos funcionários do Estado e entidades estrangeiras que vieram ao nosso país deixaram as suas impressões no Livro dos Visitantes, algumas das quais, sobretudo de técnicos, representam uma prova evidente da forma como aqueles serviços estão organizados.
Em 4 de outubro de 1926, o Sr. General Carmona, que visitou, oficialmente a Imprensa Nacional de Lisboa, dignou-se, também, inscrever o seu nome no Livro dos Visitantes.»