“(…) É uma verdade que é forçoso reconhecer, que os nossos recursos absoluta e relativamente são muito limitados, e que é por consequecia necessário empregá-los com prudência e economia para deles tirar a maior vantagem possível. Num país pequeno, e cujo estado financeiro não é próspero, não é possível haver muitos estabelecimentos da mesma espécie, e para ter um só competo é necessário aplicar para esse fim meios que divididos não produziriam senão resultados fraccionários, imperfeitos e insuficientes; neste caso está a Imprensa Nacional. Milita ainda ainda esta razão em circunstancias incomparavelemente mais vantajosas do que as nossas. A França com a sua colossal riqueza, na mesma cidade de Paris, centro do seu grande movimento governamental, domicilio das mais abalizadas instituições científicas e artisticas, tem um só estabelecimento público destinado para fazer as publicações necessárias à extemsa variedade de serviço que o seu estado actual pode exigir. Este estabelecimento é a Imprensa Real de Paris, criada por Francisco 1º, sucessivamente reformada em diferentes épocas, reorganizada sob o imperio, e hoje ampliada com grandes melhoramentos; e a posse exclusiva de fazer todos os trabalhos tipográficos ou titográficos que directa ou indirectamente são pagos pelo Estado. Sem esta condição seria impossível sustentar essa criação grandiosa, que serve de modelo e incentivo às artes que aí se praticam, e presta às Ciências os mais importantes serviços. A nenhuma Repartição Pública é permitido ter uma Imprensa, a todos está imposta a obrigação de mandar fazer as suas impressões à Imprensa Real.
A Academia de França, essa grande e brilhante reunião de sábios em todos os ramos, que tantas e tão importantes obras publica, todas ali manda fazer. Entretanto a Academia das Ciências de Lisboa tem uma imprensa sua, em que faz considerável despesa, e com material imenso, posto que incompleto e insuficiente, unicamente destinada à publicação das suas obras. Não entrarei na apreciação dos inconvenientes mais remotos que resultam deste facto; considera-lo-hei só nas suas relações económicas em presença dos poucos factos que vou produzir. Desde o ano de 1840, para não remonstar-me a data mais anterior, tem a Academia mandado ir desta Repartição para a sua imprensa objectos no valor de 926.099 réis. Ajunte-se a esta soma a despesa que deve ter feito no pessoal da sua oficina. Considere-se o valor que tem importado, e em grande parte improdutivo, do seu material e compare-se o resultado desses dados prositivos com o preço razoável das suas publicações neste período. E tem a Academia uma oficina tipográfica em estado de satisfazer as suas mesmas publicações? Certamente não, e tanto que se vê obrigada a recorrer ao auxilio da Imprensa Nacional. Há mais de seis meses que daqui foram para lá, a seu pedido, duas caixas de grego que neste Estabelecimento por vezes tem feito falta. Quando eu me achava em Paris tinha eu lá escolhido para a Imprensa Nacional uma excelente colecção de matrizes árabes e porqe as que temos são muito imperfeitas. Disse-me Mr. Biesta, a quem eu fizera a encomenda, que julgava ter que satisfazer a outra igual para a Academia das Ciências de Lisboa; porque o Snr. Visconde de Santarém lhe dissera que a mesma Academia pretendia compra-las, e que para isso lhe pedira esclarecimentos ácerca do preço. Em vista desta informação disse a Mr. Biesta que eu já não queria as matrizes, sem saber se a Academia as comprava, porque a duplicação deste objecto seria inutil e gravosa. Na hipõtese de comprá-las, como poderia servir-se a Academia destas matrizes? Juntaria uma fundição (…) à sua oficina? Não creio que se resolvesse a fazê-lo. Enviá-las-ia à Imprensa Nacional para que lhe fundisse os tipos? Neste caso não era melhor que as matrizes fossem da Imprensa Nacional? Não é nesse Estabelecimento especial que deve haver os meios d efazer as raras edições m que entre nós se empregam os caracteres árabes, gregos ou hebraicos? Respeito muito o zelo e saber dos membros dessa ilustre corporação, que entendem neste objecto; mas no interesse desse resto de Ciência em tais matérias que já tão raramente aparece entre nós, não posso deixar de dizer a V. Ex.ª o que tenho por verdade. Longe de querer aumentar a esfera da minha autoridade administrativa, muito desejára eu restringi-la, porque de sobrejo é já o trabalho para um homem, e bem pouco anumadora a compensação dele; mas não devo querer essa restrição em prejuízo dos melhoramento com que deve completar-se o Estabelecimento a meu cargo, em manifesto desserviço das Ciências e das Artes, e descredito nosso.
Não hesitarei portanto em dizer francamente a V. Ex.ª, que julgo que a Imprensa da Academia não pode razoavelmente subsistir. Creio que podem conciliar-se quaisquer inconveninentes que se ofereçam em contrário pelo seguinte modo:
1º A Imprensa Nacional receberá todo o material da Imprensa da Academia pelo seu justo valor, mediante uma louvação de peritos, ou segundo os preços estabelecidos, e se debitará por esse valor para com a Academia que se pagará deste débito até à sua extinção no preço das obras que mandar imprimir.
2º Este preço, para que não haja posterior reclamação, será feito de acordo com a pessoa que pela mesma Academia for para isso comissionada.
3º Para que desta transferência não resulte incomodo ou quebra de interesse algum pessoal, obriga-se do mesmo modo a Imprensa Nacional a receber os empregados que a Academia tinha na sua oficina, e a dar-lhes o mesmo salário o vencimento. V. Ex.ª tomando em consideração o que acabo de expôr, o avaliará e decidirá como houver por bem. (…) Lisboa etc.ª 23 de Janeiro de 1844 = Ill.mo e Ex.mo Snr. António Bernardo da Costa Cabral. = O Administrador Geral – José Frederico Pereira Marecos.” (pp. 28-32)