“Ill.mo e Ex.mo Snr. = É penoso para mim ter que incomodar a V. Ex.ª quando o considero sumamente ocupado em tantos e tão variados negócios públicos, mas pertencendo também a V. Ex.ª os da minha Administração, é forçoso que eu lhe exponha o seu estado actual, porque os apuros em que me vejo crescem todos os dias, e temo que chegue um deles em que eu por modo nenhum possa satisfazer às requisições do Governo. Por algumas vezes já eu tenho ponderado a V. Ex.ª que esta Repartição da Imprensa Nacional não tem outras rendas se não o produto do seu trabalho; ora se este lhe não for regularmente pago, é impossível que possa fazer face às suas muitas despesas. Não consistem só estas no trabalho manual, porem em outro objecto ainda mais importante, o papel, matéria prima, em que se funda o trabalho. Não podendo, portanto, ter eu sempre meios prontos para comprar a matéria prima suficiente, e pagar o trabalho que com ela se faz, segue-se que esta oficina há-de necessariamente parar. A este termo é que ela se aproxima se o Governo a não auxiliar com as quantias que se lhe devem. Não peço eu dadivas graciosas, mas simplesmente a satisfação de dividas, porque se estas regularmente se pagassem não só não necessita esta oficina de auxilio algum gratuito mas dá ela, como logo mostrarei, um lucro muito importante ao Governo. É verdade que ainda não há [sic.] um mês eu recebi do Tesouro 2:112.907 réis, mas esta soma apenas chegou para satisfazer parte das dívidas antigas de papel, e para poder obter mais algumas. Para V. Ex.ª fazer ideia do papel que se gasta com as actuais requisições das diversas Repartições do Governo, bastará que lhe diga que podendo eu obter, quando recebi o ultimo dinheiro seiscentas e tantas resmas, e isto ainda não há [sic.] um mês, já hoje me veio participar o Director da oficina que apenas teríamos papel até ao princio da semana. Ora se dentro de um mês se tem consumido 600 resmas de papel quase exclusivamente em obras do Governo, como são Estatiscas, Legislação, etc., qual dever ser a quantidade que anualmente gasta? A deste ano já passa de 8 000 resmas. Neste apuro eu apresento a V. Ex.ª o estado actual em que se acha esta Repartição, e peço para ela algumas providencias, porque sem elas nada podere fazer. A venda diária de muitos objectos que fazem um dos rendimentos desta casa assim como as poucas obras que se podem imprimir para fora apenas chegam para o pagamentos das férias semanais que umas por outras se podem calcular em 330 a 350 réis. Porem resta o papel; e para compra deste é que se deve destinar o produto do trabalho manual. Se este trabalho, pois, se não paga com regularidade, como ordinariamente acontece, é forçoso que ele também cesse porque não tem matéria em que se empregue. Pelo mapa nº 1 verá V. Ex.ª: que as diversas Repartições públicas estão devendo a esta oficina 2:449.997 réis e nenhuma delas paga, porque diz que o Tesouro também lhes não paga o que lhes deve dar. E sendo isto assim, como o que poderei satisfazer ao que diariamente se exige por parte do Governo? Também pelo Mapa nº2 verá V. Ex.ª qual tem sido a despesa feita com as ditas obras, durante os 3 meses da minha Administração todas elas necessárias para aumentar e conservar o Capital deste Estabelecimento, e este conhecimento lhe fará ver quantos fundos são necessários para o seu aumento e conservação. É preciso, porem que V. Ex.ª tenha a bondade de advertir que neste mesmo mapa está uma verba que desde hoje em diante não pode ficar a cargo desta Administração, e é aquela que diz respeito aos Diários da Camara dos Deputados, e importa até hoje na enorme soma de 2:664.200 réis sem proveito do publico nem desta oficina. Por ua destas resoluções pouco refletidas decidiu o Snr. Rodrigo de Magalhães por autoridade própria, que a impressão dos Diários fosse por conta da oficina, dizendo que dela se tirariam grandes vantagens, Mas agora pode V. Ex.ª calcular quais elas serão, porque por um inaudito desleixo do chamado redator do Diario ainda não estão impressos os dois das Legislaturas passadas, e já tem feito aquela horrorosa despesa. E que lucro portanto, pode esta oficina tirar aparecendo eles tão tarde, se aparecerem, ou como pode tão enorme despesa ficar a cargo desta Administração? Da minha parte eu declaro que não adopto nem quero a determinação do Snr. Rodrigo de Magalhães, e que de hoje em diante, o Diario da Camara se o houver, deve entrar nas despesas da mesma Camara. Mas talvez que á vista de muitas despesas que faz esta oficina, e das somas que exige do Governo para se conservar, V. Ex.ª ou alguém pensem que ela não dá lucro algum ao Estado, Para responder a este reparo, se o houver, peço a V. Ex.ª queira passar pelos olhos o lucro que tem tirado o Governo só nos 3 meses da minha Administração, e que consta do mapa nº 3. Então se verá, que um Estabelecimento, que no espaço de 3 meses poupa ao Governo 2:052.840 réis não é indiferente, nem se deve desprezar. = Depois de que tenho tido a honra de expor a V. Ex.ª, isto é as muitas despesas que tenho feito; a falta absoluta em que estou de papel; e as dívidas que não tem sido pagas pelas diversas Repartições que vão aposentadas no mapa, peço a V. Ex.ª queira dar algumas providencias para ocorrer a este extremo apuro em que se acha esta Repartição porque sem elas não é possível continuar a satisfazer ás requisições do Governo. As providencias podem ser ou auxiliar as Repartições Públicas com os fundos necessários para satisfazerem o que devem a esta oficina, ou resolver que o Tesouro imediatamente pague a importância da despesa que até agora tem feito os Diários da Camara dos Deputados, e que importa na quantia já mencionada de 2:664.200 réis sem alguma desta providência que deixo à disposição de V. Ex.ª não tenho meios para poder conseguir algum papel, pois que de compras atrasadas e modernas deste mesmo género ainda esta Repartição está devendo mais de dois contos de Reis, apesar de eu ter já pago quase outro tanto. Acresce a todas estas dificildades ainda outra que V. Ex.ª verá pela requerimento que envio, e é relativo ao foro que paga esta Casa. Todos os dias me vejo aflito e mortificado com iguais requerimentos por parte da Peticionaria, porem não me tem sido possível satisfaze-la porque a pagar-lhe o foro deste ano que é de 500 réis deixaria de pagar por duas semanas a feria aos operários. Em contemplação de tudo isto rogo a V. Ex.ª que veja se é possível livrar-me dos embaraços em que me vejo, porque estes embaraços vem a ser também os mesmos em que se há-de achar infalivelmente o Governo, não podendo imprimir prontamente o seu expediente, nem as suas resoluções e Decretos (…) Lisboa e Administração da Imprensa Nacional 16 de Dezembro de 1836 = Ill.mo e Ex.mo Snr. Manuel da Silva Passos = Secretario de Estados dos Negócios do Reino = José Liberato Freira de Carvalho.” (20-22 v.)