“(…) Tive há dias a ocasião de expor a V. Ex.cia , verbalmente, a situação em extremo anormal do revisor desta Imprensa, Artur Alexandre Caldas , cuja má conduta se me afigura digna de imediata reprimenda. O regulamento geral dos serviços, em vigor, faculta-me, é certo, os meios de punir os empregador que prevaricam, mas, não obstante, entendo do meu dever por V. Ex.cia ao corrente do que se passa, a fim de que essa Repartição esteja habilitada a dirimir qualquer reclamação sobre o assunto.
O revisor Caldas, a quem me referi em ofícios n.os 406, 408 e 470, respectivamente de 6 e 8 de abril e 16 de maio do corrente ano, é não só o mau funcionário que V. Ex.cia já sabe, mas mais algma coisa do que isso. Gozando desde a proclamação da República a concessão especialíssima de apenas fazer serviço nocturno no quadro do DIARIO DO GOVERNO, a sua assiduidade ao trabalho revelou-se em geral por forma negativa, recebendo eu constantes informações de que abandonava o seu lugar quase diariamente e por longo espaço de tempo. Na quinta feira última, querendo certificar-me de visu sobre as queixas recebidas, vim às 10 horas da noites à Imprensa, e a prova de que as queixas tinham fundamento foi que surpreendi o revisor Caldas saindo do edifício, não me cumprimentando por sinal como era seu dever, e só voltando ao estabelecimento à uma hora da manhã sem que para isso tivesse solicitado a necessária autorização do revisor Eugénio Salles, que dirigia o serviço nessa noite.
Como a revisão do DIARIO DO GOVERNO, mormente nesta quadra de [?], se não compadeça com ausências desta natureza, chamei no dia imediato o revisor Caldas, e, tendo obtido dele a declaração por escrito da falta, que não justificou por forma cabal – o que V. Ex.cia terá ensejo de verificar – determinei que lhe fosse aplicada a pena de três dias de suspensão, que devia começar a cumprir na noite de sexta feira. Perto da hora de serviço o chefe da revisão, como tantas vezes tem sucedido, recebeu porém um cartão de visita do revisor Caldas no qual se lia:
Por me achar bastante doente e por conselho do meu médico, não posso hoje comparecer ao serviço. Peço, pois, me faça substituir. – Alexandre Caldas.
A desculpa de que estava doente era mentira, como eu próprio tive ocasião de verificar, pois que, havendo ido esperar o Ex.mo Ministro do Interior à gare do Rossio, encontrei o revisor Caldas a passear na Baixa, mas, apesar disso, não procedi para que não pudesse dizer que estava de acinte. No sábado, ao dirigir-me à Imprensa durante a visita do Ex.mo Ministro do Interior, foi-lhe comunicada a suspensão de três dias, avisando-o ao mesmo tempo o porteiro que na terça-feira de manhã devia comparecer ao serviço. Longe de cumprir o que lhe fora determinada, não compareceu na terça-feira ao serviço, entregando à tarde um requerimento do teor seguinte:
Artur Alexandre Caldas, revisor, encontrando-se doente, impossibilitado por isso de prestar qualquer serviço, requer V. Ex.cia lhe conceda trinta dias de licença, sem vencimento etc.
Em face deste requerimento, que não passava de um novo expediente porquanto o revisor Caldas apenas estava doente para o serviço da Imprensa, mandei que o chefe de revisão prestasse a sua informação que este fez nos seguintes termos:
Nesta ocasião em que o trabalho abunda, qualquer licença prejudica o serviço.
Despachei, em face desta informação, o seguinte:
Em vista da informação acima indefiro o requerimento presente. O requerente não prova, de resto, que esteja doente e impossibilitado de prestar qualquer serviço, como seria para desejar que o tivesse feito. Deve por isso apresentar-se imediatamente ao serviço, sob pena de incorrer no nº 3.º do artigo 392.º do regulamento em vigor.
Avisado para comparecer ontem à noite, o revisor Caldas continuou a usar dos expedientes que lhe são característicos, e, assim, muniu-se de um atestado médico passado pelo Dr. Luís Carlos Simões Ferreira, no qual se lê:
Atesto que A. A. Caldas está por doença de que o trato impossibilitado de desempenhar serviços violentos ou muito seguidos.
E, ao tempo, entregava um novo requerimento que transcrevo a seguir:
Nos termos do artigo 374 do regulamento comunico a V. Ex.cia que faltei ao serviço nos dias 20 e 21 e terei de faltar até que o meu estado de saúde permita o regresso ao serviço efectivo. Junto um atestado do meu médico assistente que renovarei, até completo restabelecimento nos prazos que me forem determinados.
Se eu não tivesse provas de sobejo de que o revisor Caldas recorria a quantos trucs podia para se escapulir ao serviço, este último requerimento acabava por me convencer de que urgia um procedimento disciplinas [?] severo para o obrigar ao cumprimento dos seus deveres. De facto [?] revisor Caldas estava doente, o que deveria fazer era recolher a casa e esperar a visita do médico da Imprensa, sujeitando-se às prescrições que este lhe impusesse e não procedendo como procedeu, o que, repito a V. Ex.cia, não tem precedentes. Mas este situação é que por forma alguma lhe convinha e daí todas as incorrecções que acabo de expor a V. Ex.cia que o revisor Caldas não está impossibilitado para o serviçp mostram-no, afinal, vários factos, entre os quais avulta o de não estar retido em casa, o de prestar serviço na CAPITAL e o de recolher ao domicilio a deshoras. V. Ex.cia porém, ponderará todos estes factos referidos, se assim o julgar preciso, contanto que a disciplina se mantenha e o serviço não sofra com estas repetidas irregularidades. Em qualquer dos casos o que peço a V. Ex.cia, com empenho, é que o assunto em questão tenha o mais rápido andamento.
Saúde e Fraternidade
Lisboa, 22 de Junho de 1911
Ex.mo Sr. Director Geral de Instrução Secundária, Superior e Especial
O Administrador Geral
Luís Derouet
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