Detalhes de documento

  • Arquivo
    INCM/Arquivo Histórico da Imprensa Nacional
  • Cota
    BINCM_7-2-E-3-1/3
  • Tipo de documento
    Texto de homenagem
  • De:
    Magalhães Lima
  • Para:
Transcrição

“Recordando velhos tempos…..

A memoria de Luiz Derouet transporta-me aos tempos combativos da Vanguarda. Estava eu uma noite, sossegadamente, no meu gabinete da redacção, quando fui abordado por um jovem, que eu conhecia já, pela sua colaboração concedida ao jornal, que desejava tornar-se redactor efectivo da Vanguarda, declarou. Olhei para ele e confesso que não me desagradou a proposta. Por esse tempo a Vanguarda era colaborada por uma pleide de intelectuais que depois fizeram carreira na vida; Heliodoro Salgado, Aquilino Ribeiro, Rocha Martins, Gomes da Silva, José Vale, Fernando Reis, Gregório Fernandes, e outros. Luiz Derouet veio engrossar a falange. Tinha uma feição especial de criticar os factos e os homens com ironia e criterio republicano. Foi o primeiro jornal republicano onde colaborou. O amador dos primeiros tempos transformou-se n’um profissional de rara distinção. D’aí data também a intimidade travada com Gregório Fernandes que depois foi o seu braço direito na Imprensa Nacional.
Tudo isto é recordar, e recordar com saudade. O jornalismo era nesse tempo uma coisa muito diferente do que é actualmente. Fazia-se por amor dos principios e não por amor do dinheiro. A Vanguarda era por assim dizer uma barricada frequentada por franco atiradores de nome, a luta estava acesa. De um lado o juiz Roche com as suas garras de fera; de outro lado toda a legião de bravos combatentes com a fé ardente de apostolos. O combate decisivo. Os sacrificados eram numerosos. No ardor dos [?] avigoravam-se as crenças e robustecia-se a fé.
Foi nestas condições que Luis Derouet entrou para a Vanguarda sem outra ambição que não fosse a de ser util à causa. E durante a gloriosa jornada portou-se com a galhardia que caracteriza os lutadores sinceros e ardorosos. Por isso me cabia o direito de conquista de celebrar a sua memoria. Foi ao meu lado que ele começou a sua vida de jornalista, e ao meu lado se manteve sempre, com a mesma coerencia e a mesma fidelidade, durantes os anos que se seguiram. O jornalismo atraia-o irresistivelmente. Da “Vanguarda” passou para o “Mundo”, do “Mundo” para a “Manhã”, da “Manhã” para o “Diario da Tarde”, onde (p.1) revelou as suas altas virtudes de tecnico do jornalismo moderno. Tudo o mais era secundário para ele. Principalmente o que o preocupava era o jornal para o qual vivia com a paixão de quem muito ama a sua profissão. Estou a vê-lo ainda nas suas horas de amargura em luta com a censura previa, que o afligia com a intensidade de uma grande dor. A sua vocação de jornalista conjugava-se com o seu amor à liberdade de imprensa. Era um revoltado e como tal possuiaa alma de um crente fervoroso. Tive ocasião de o verificar na minha convivencia de muitos anos com ele. Nas campanhas em que entrou foi sempre um entusiasta dos principios republicanos. E era de ver o ardor que empregava nas lutas com os adversários. Posso eu afirma-lo com a autoridade que derva dos seus primeiros tempos de combate. Por isso foi muito grata a tarefa que me foi imposta pelo gracioso convite da comissão que se lembrou de publicar o In Memoriam que por justiça cabe a todos os batalhadores honestes, a todas as consciencias rectas e a todos aqueles que por um ideal combatem e se sacrificam.

Lisboa – 4 – 6 – 28

Magalhães Lima” (p. 2)