Relatório sobre o catálogo de tipos.

  • Referência
    A Federação. Folha Industrial dedicada às classes operárias, n.º 5, de 6 de julho de 1861, pp. 19-27.
Assunto

Relatório da Comissão nomeada pela Associação Tipográfica Lisbonense sobre o catálogo de tipos da Imprensa Nacional de 1858-59.

Ficha

«Publicamos com a maior satisfação o relatório sobre o Specimen da fundição de tipos da Imprensa Nacional, elaborado por uma comissão eleita de entre os membros mais distintos da associação tipográfica.
O favor com que somos tratados neste relatório poderia tornar suspeitos os louvores que houvéssemos de fazer-lhe. Isto porém não quer dizer que nos absteremos completamente de fazer alguns comentários a este importante trabalho, para o qual chamamos as atenções dos nossos leitores.
J. M. Veloso

Relatório da comissão nomeada pela Associação Tipográfica Lisbonense para dar o seu parecer acerca do Specimen de tipos ultimamente apresentado pela Imprensa Nacional.
[…]
II
Senhores: É a arte tipográfica uma das mais nobres profissões que se exercem na vida. Os seus artífices mereceram em todos os tempos e de todos os governos assinaladas considerações. Do seu grémio têm saído cidadãos para os mais altos cargos da República; e se Gutenberg, Faust e Schoeffer deixaram os seus nomes imortais na história, por dotarem a humanidade de tão primoroso invento, não menos o ficaram por criarem um mester que tantos serviços devia prestar à civilização, e cujo emprego se tornasse tão ilustre para aqueles que o exerciam. […]
III
Senhores: tratando do Specimen da Imprensa Nacional, a comissão não podia, sem cair em grave censura, deixar de falar nos progressos que a tipografia tem feito neste país, e principalmente o estabelecimento que produziu o trabalho que analisamos.
A Comissão comparou, em diversos períodos, as obras saídas dos prelos da Imprensa Nacional com as de quase todas as tipografias do país, e seria injusta se não confessasse que sempre encontrou os trabalhos, tanto da antiga impressão régia como os da moderna Imprensa Nacional, superiores em beleza e nitidez àqueles. A comissão todavia sente prazer em manifestar que muitas oficinas particulares, sem os poderosos recursos de que dispõe aquele estabelecimento, sem gozarem dos privilégios e da proteção que o estado constantemente lhe dispensa, se têm quase aproximado e, talvez, em um ou outro trabalho, igualado aos da Imprensa Nacional. Citaremos em tempos que não vão muito longe a antiga tipografia do Panorama, de que era proprietária a sociedade propagadora de conhecimentos úteis, e atualmente as tipografias da sociedade Franco-Portuguesa, Castro & Irmão, Universal e Futuro, em Lisboa; de Sebastião José Pereira, no Porto; e a Imprensa da Universidade, em Coimbra, que também deve os seus importantes e modernos melhoramentos à aquisição que há alguns anos fez do seu atual administrador, o sr. Olímpio Nicolau Rui Fernandes, antigo e habilíssimo artista da Imprensa Nacional.
[…]
Quando, senhores, se lança os olhos sobre as mesquinhas impressões de oitavo e em papel florete com que gemiam os nossos prelos até 1835, e se comparam com as nítidas e avantajadas impressões de hoje; quando se entra em uma tipografia e se vêem substituídos os antigos prelos de madeira, de raquítica invenção, em presença dos opulentos prelos de ferro e famosos prelos mecânicos de impressão rápida que por milhares reproduzem em minutos o que o pensamento concebeu em instantes; quando se contemplam essas e outras maravilhas do engenho humano, e de que Portugal não está segregado, a alma sente dilatar-se, o coração bate apressado, a alegria irradia-se nos lábios, e pede-se graça à providência para o prosseguimento da grande obra da civilização.
A Imprensa Nacional, que em 1840 aboliu completamente os prelos de madeira, mandando fazer dois novos prelos de ferro, para juntar a alguns, ainda que poucos, que de ferro já possuía, contava dezoito anos depois, em 1858, vinte prelos manuais de grande dimensão, além de quatro prelos mecânicos de moderníssimos sistemas, podendo imprimir 44000 folhas por dia. […]

V
Em geral as edições impressas em Portugal são de pequena tiragem: 1000 folhas é o termo médio das edições. As obras que tiram 1500 exemplares ou mais até 2000 são raras, e podem ser consideradas já como edições de avultada e superior extração. […]
A Imprensa Nacional, sem embargo, apresenta um grande movimento de obras impressas, não pertencendo muitas delas ao estado, cuja tiragem foi de 2000 exemplares, e ainda de outras excederam este número. […]

[…]
Cabem também aqui, tratando-se das obras impressas com nitidez na Imprensa Nacional, duas palavras de louvor ao Diário de Lisboa, folha oficial do governo. Este periódico, considerado como publicação deste género, é o melhor, podemos dizê-lo afoitamente, que se publica na Europa. Temos diante de nós todas as folhas oficiais dos principais estados e de muitos secundários desta parte do mundo, e nenhum [sic] lhe iguala em beleza e perfeição tipográfica.

Uma das partes mais difíceis em trabalhos tipográficos, os mapas, ocupa um espaço muito importante nesta folha. E com que perfeição vêm eles aí impressos, com que certeza, e com que brilho são eles ali lançados? […] O Moniteur universel (folha oficial do império francês); o Moniteur Belge, a London gazette, e as próprias gazetas oficiais de Viena de Áustria, Berlim, S. Petersburgo e Estocolmo têm que fugir envergonhadas em presença da beleza e precisão com que em breves horas os tipógrafos portugueses do Diário de Lisboa apresentam os seus trabalhos nesta especialidade.

E note-se que isto não é um ou outro mapa, são centenas deles. O antigo Diário do Governo já trazia um grande número de mapas; mas a direção do novo Diário de Lisboa tem procurado desenvolver, quanto possível, esta parte da folha oficial, tornando-a por isto como um repositório dos dados estatísticos mais importantes do país, tão necessários, tão dignos de verem a luz pública, e cuja utilidade cresce na razão direta em que se desenvolvem as suas forças económicas, e em que se alarga a sua instrução.
[…]

XII
Chegámos finalmente ao ponto mais especial da tarefa que nos foi cometida, o exame e apreciação do Specimen da fundição de tipos.
[…]
O Specimen não é, nem pode ser considerado como uma simples prova ou amostra de tipos, como a comissão já tem provado, mas sim como um livro feito expressamente para patentear os recursos da Imprensa Nacional tanto em relação à fundição de tipos como à impressão.
[…]
É preciso conhecer de perto, teórica e praticamente, todo o maquinismo da tipografia moderna para poder avaliar as dificuldades que é necessário vencer, e por consequência para calcular aproximadamente a avultada despesa que foi preciso fazer para se levar ao cabo este importante trabalho. […]
O Specimen compreende duas partes inteiramente distintas — fundição e impressão. Deixando para último lugar o falar da fundição, por ser talvez sobre esse ponto que mais largamente teremos de nos ocupar, diremos, quanto à composição e impressão, que nos parece um trabalho consciencioso, e que a todos os respeitos faz honra aos artistas que o dirigiram e executaram. […]
A disposição em geral achámo-la excelente e bem ordenada. A composição cheia está feita com bastante apuro e regularidade; rigorosa espacejação; boas divisões até onde é possível atendendo à estreiteza da medida; em uma palavra vêem-se ali observados todos os preceitos da escola moderna, e evitadas cuidadosamente as faltas em que de ordinário costumam cair os tipógrafos menos hábeis.
[…]
São notáveis, sobretudo, pela sua perfeição e beleza as quatro páginas tiradas a cores, a ouro e platina, e a primeira dos traços tipográficos. […]

XIV
Passando a tratar da fundição, pedimos vénia para dizer em primeiro lugar que nos parecem excessivos alguns dos preços estabelecidos, não só das vinhetas, se não também dos caracteres ordinários. […]
Quanto às politipagens os preços não são mais elevados, antes inferiores aos de algumas das fundições de Paris; mas são superiores aos ingleses e sobretudo aos belgas, como se vê da tabela seguinte, onde se comparam os preços da Imprensa Nacional com os da oficina de Pennequin, por ser a única fundição de que possuímos Specimen com emblemas inteiramente idênticos. […]
As máquinas ultimamente introduzidas na fundição, que tanto barateiam a mão de obra a par da economia que resulta do novo sistema de reprodução ou contrafação, são motivos para esperarmos da ilustrada administração superior da Imprensa Nacional, que tanto timbra em ser prestativa, satisfazendo de pronto e com a melhor vontade as requisições que lhe são feitas, e proporcionando às tipografias que procuram a sua fundição a aquisição de novos tipos debaixo de condições razoáveis e justas, não deixará de tomar em consideração o que daqui lhe requeremos no interesse geral da arte. […]»