Possível sucursal da Imprensa Nacional no Porto.

  • Referência
    CÉSAR, Oldemiro, «Interesses do Norte — A sucursal da Imprensa Nacional no Porto tem razão de ser?», O Mundo, n.º 4450, de 28 de janeiro de 1913, p. 5.
Assunto

Entrevista ao deputado Ângelo Vaz sobre a eventual criação de uma sucursal da Imprensa Nacional no Porto.

Ficha

«Instituí-la é um bom ato de política económica e um belo gesto de justiça para com a classe gráfica do norte, diz-nos o deputado Ângelo Vaz.
Tendo sido encarregado pelo governo da República o administrador da Imprensa Nacional de proceder ao estudo das condições em que deve estabelecer-se a sucursal da Imprensa Nacional na cidade do Porto, e sabendo que o deputado por esta cidade, Dr. Ângelo Vaz, tinha já apresentado à Câmara um projeto de lei nesse sentido, resolvemos ouvi-lo sobre o assunto, e fomos encontrá-lo na sala dos Passos Perdidos, aproveitando impiedosamente o ensejo para o interrogarmos sobre o assunto:
— Como deve saber, o governo acaba de nomear o administrador da Imprensa Nacional para estudar a instituição de uma sucursal daquele estabelecimento no Porto. Que pensa da portaria do governo?
Acho-a excelente. Como sabe, apresentei já ao Parlamento um projeto de lei com o mesmo intuito. Este projeto está pendente da comissão de comércio e indústria que, suponho, em breve lhe dará o seu parecer favorável. O governo, encarregando o administrador da Imprensa Nacional de estudar as melhores condições em que deve estabelecer-se a sucursal da Imprensa no Porto, reconhece ipso facto a necessidade e a conveniência, desta nova instituição de trabalho. Na mesma portaria, que encarrega o administrador da Imprensa Nacional desse estudo, diz-se: ‘Sendo conveniente estabelecer na cidade do Porto uma sucursal da Imprensa Nacional, não só para melhor e mais rápida execução dos trabalhos que por lei lhe são cometidos e aproveitamento das vantajosas condições de mão de obras tipográfica daquela cidade, mas também para acorrer à crise operária do pessoal das artes gráficas por meio de uma distribuição equitativa do serviço, etc. …’. Como vê, eu não poderia encontrar mais clara e decidida consagração aos intuitos do meu projeto de lei. E, meu caro amigo, folgo imenso que seja o governo do meu partido, orientado superiormente pelo Sr. Dr. Afonso Costa, essa notável e completa organização de estadista que tanto se impõe ao respeito e admiração de todos nós, que tenha esta atitude, por todos os títulos digna do meu mais fervoroso aplauso. […]
— Mas vamos à sucursal…
— Eu apenas lhe quis significar com estas palavras que, sem querer de forma alguma arrogar-me o monopólio de único e exclusivo defensor dos interesses da cidade que me elegeu, desafio quem quer que seja a que o faça com mais dedicação. Essa justiça reclamo-a e espero ter sempre direito a ela. A apresentação do meu projeto de lei obedeceu a motivos de duas ordens: descentralização de um importante serviço do Estado e proteção à classe gráfica portuense. Como sabe, a Imprensa Nacional luta com uma constante pletora de trabalho. A acumulação de impressos é de tal natureza que dificilmente as suas oficinas lhe podem dar vazão. Depois, não compreendo como impressos destinados a servir o norte do país não sejam feitos in loco, justamente no ponto em que são necessários. Não se daria a tremenda acumulação de trabalho aqui, na Imprensa em Lisboa, e, ao mesmo tempo, ganhar-se-ia tempo na rapidez da execução. Acresce ainda a circunstância da mão de obra no Porto ser mais vantajosa para o Estado que economizaria somas consideravelmente fatura dos impressos de que tanto necessita. É claro que, a meu ver, conviria dar à Imprensa Nacional, e portanto à futura sucursal, uma organização administrativa suficientemente autónoma de maneira a dar-lhe o máximo de produção com o mínimo de custo. Com a apresentação do meu projeto de lei tive ainda em mira acudir à crise de trabalho que há tantos anos vem ferindo os gráficos do norte e principalmente os do Porto.
— Vive então realmente a classe tipográfica da capital do norte em deplorável situação?
— Sem dúvida. Devida, é claro, à falta de trabalho, que de ano para ano se tem acentuado cada vez mais. Como demonstração de que isto assim é, basta acompanhar a mesma classe nas suas constantes reclamações, que datam de 1890. Procurou-se debelar a crise de falta de trabalho enviando para o Porto, a concurso, alguns impressos do Estado. Esta medida, porém, fracassou por completo. A maneira habilidosa como os industriais a quem foram adjudicados os impressos admitiam o pessoal para os confecionar, dando-lhes ordenados irrisórios, desvirtuando descaradamente o fim a que se destinavam os concursos, fez com que tal medida nada beneficiasse os tipógrafos, contribuindo apenas para os que os industriais auferissem enormes lucros sem que a providência protecionista para os gráficos portuenses desse o que era legítimo esperar. Escusam portanto certas criaturas desinteressadas de vir preconizar os concursos na confeção de impressos. A experiência foi feita por diversas vezes e de todas elas falhou inteiramente. Prosseguir nela seria um ludibrio, uma completa mistificação que só iria satisfazer a ganância de alguns patrões à custa da mísera situação dos gráficos do norte do país. Só a fundação da sucursal da Imprensa Nacional no Porto é solução definitiva e cabal do problema. Todas estas razões foram por mim expostas largamente no relatório que precede a minha proposta de lei.
— Pode dizer-me as bases dessa proposta?
— São as seguinte: cria-se no Porto uma sucursal da referida Imprensa e que terá por fim confecionar todos os impressos do Estado correspondentes à zona do país ao norte do Mondego ou quaisquer outros que o governo ache conveniente. Consignei também o princípio de que o governo da República devia entender-se com a Liga das Artes Gráficas do Porto no sentido do aproveitamento do material de que a mesma Liga pôde dispor para auxílio da criação da sucursal. Pareceu-me útil e necessário afirmar este princípio porque não só o Estado, utilizando, esse material da Liga, faria uma despesa menos avultada, mas também a classe gráfica, prestando este concurso valioso, ficaria numa situação moral desafogada perante a medida protetora do Estado. Na sucursal só seriam empregados os gráficos do norte. Para isso dei no meu projeto a preferência aos operários residentes há mais de três anos na zona ao norte do Mondego.
— De maneira que o Dr. Ângelo Vaz julga a portaria do governo um poderoso impulso à sua iniciativa?
— Indubitavelmente. Conferenciei com o meu prezado amigo Luís Derouet e ele assegurou-me que, terminando o seu inquérito, me esclareceria sobre as modificações a introduzir no meu projeto de lei para que ele tenha uma conveniente e pronta efetivação prática. Creia que é com esta sistemática adoção de uma esclarecida e metódica política de realizações que nós construiremos em inabaláveis alicerces o esplêndido edifício da nossa querida República.
— De modo que a sucursal da Imprensa Nacional no Porto será um facto muito em breve?
— Assim o espero. Instituí-la é um bom ato de política económica e um belo gesto de justiça para com a classe gráfica do norte. […]»