Ficha
«Foi publicada há poucos dias uma reforma da Imprensa Nacional. Não é caso que possa deixar‑se passar sem palavras de comentário, menos pela amplitude que possa trazer àqueles serviços, relativamente à situação anterior, do que pelo sentido que traduz ou dela se depreende.
A Imprensa Nacional não é somente uma oficina para composição e impressão do Diário do Governo e outras publicações oficiais. Por determinação expressa da lei, bem definida no texto do novo diploma, mantém-se a tradição de uma autêntica escola profissional de artes gráficas, o que significa a exigência de constituir um corpo dos melhores operários gráficos do País. Até certo ponto, esta intenção conjuga-se com a que levou a Fundação Ricardo Espírito Santo a promover a abertura duma escola oficina de artes decorativas. E o caso ultrapassa desta forma o seu âmbito restritamente próprio, para situar-se no plano do desenvolvimento das artes manuais.
Temos em Portugal a tradição de bons operários artistas, no ferro forjado, na cinzelagem de prata, na filigrana, na fiação e na tecelagem, na cerâmica, nos delicados e laboriosos trabalhos de marcenaria e entalhe. Com a industrialização, e com a proletarização correspondente, perdeu‑se muito do que havia de melhor nessa tradição. O operário preocupado, das tantas às tantas, com o produzir em série, contra relógio, e com exigências ferozes da folha de mão‑de‑obra, é uma entidade por completo diferente do artista que se preocupa somente em fazer bem feito.
O Progresso tem neste como em todos os outros aspetos, a sua face negativa; e cumpre aos homens um esforço de atenção e boa vontade para que a criação de uma obra de arte tenha preferência sobre o fabrico de uma unidade de produção. Tudo quanto neste sentido se fizer é portanto meritório.
Também nas artes gráficas há entre nós uma tradição das mais honrosas. As grandes épocas da História de Portugal estão assinaladas com magníficas obras impressas. O reinado de D. João V, indiscutivelmente um período de grandeza nossa, e de prestígio e de desenvolvimento, deixou alguns livros, algumas obras, que são verdadeiros monumentos. Com a descida de tom no conjunto político-social, desceu o nível nos trabalhos gráficos. Desceu já no presente século, e, apesar de uma ou outra tentativa anterior de bom sentido, só conseguiu nos últimos vinte anos uma reação notável com as realizações gráficas do Secretariado Nacional da Informação e da Agência Geral do Ultramar, que abriram o caminho.
No meio de tudo, a Imprensa Nacional conseguiu conservar um grupo de bons profissionais, artistas de nível elevado, e manter a escola. Naturalmente que isso custou dinheiro, porque os melhores têm de ser sempre mais bem pagos para acorrerem a concursos difíceis e para não fugirem para patrões de bolsa mais larga. Felizmente que assim foi, apesar de não se ter exigido daquele conjunto o que ele indiscutivelmente poderia dar. Felizmente, porque podemos ter agora boas esperanças de que a Imprensa Nacional, dentro do novo esquema da sua atividade, e mantendo o alto nível de trabalho que está nas suas tradições, realize cabalmente o que lhe é pedido pela necessidade do ensino das artes gráficas no nosso País.»