Ficha
«Como se desse a circunstância de ter aparecido ontem a notícia de que na Imprensa Nacional se ia iniciar uma série de conferências de vulgarização científica e artística, sendo o primeiro preletor o Sr. José António Moniz, erudito professor de bibliologia, que amanhã pelas 12 horas prefixas ali dissertará sobre as ‘Origens da escrita e do livro sob o ponto de vista da impressão’, um redator da Pátria foi ouvir da boca de Luís Derouet algumas palavras acerca dos intuitos que o levaram a essa resolução. São da Pátria as seguintes linhas que se vão ler e que aqui registamos:
Tínhamo-la fisgada. Por mais de uma vez tentáramos o assalto, mas Luís Derouet escusava-se a informar-nos recolhido na sua modéstia, receando aparecer, não fossem os profissionais da má língua, que tudo envenenam, proclamar que o honesto e incansável trabalhador se prestava a ser entrevistado para satisfação da sua vaidade. Mas nós teimávamos. Sabíamos que a Imprensa Nacional deixara de ser já, sob a sua orientação, o que fora durante a monarquia; que se tornara, mercê da sua boa vontade e da dedicação, um estabelecimento modelar, e por isso digno de ser conhecido, e quisemos ser nós os primeiros a dizê-lo, não só para prestar justiça ao empreendedor de tão útil e generosa obra, mas para mostrar aos nossos leitores como a dentro da República se trabalha, ao contrário do que afirmam os inimigos do novo regime, que só lançam a público o pouco que ele tem de mau e que, herdado da monarquia, não pode ainda ser corrigido e modificado. Teimámos e vencemos. Aproveitando a publicação da notícia que encima estas linhas, corremos à Imprensa e, sob o pretexto de que mais alguns esclarecimentos desejávamos sobre o assunto, fomos perguntando, perguntando, até conseguirmos saber o que pretendíamos. Luís Derouet deu pela coisa, mas nós garantimos-lhe que dali não sairíamos enquanto não nos atendesse por completo.
— Sabe o que são estas coisas O meu amigo é também um entrevistador, e já que tanta vez tem sido carrasco, seja desta vez a vítima. Vamos a isto, pois.
O nosso colega acedeu. E nós começámos:
— É verdadeira esta notícia das conferências?
— Não há dúvida. As conferências de agora vêm completar até certo ponto o plano de propaganda educativa iniciado com as visitas de estudo dos aprendizes das diferentes escolas profissionais da Imprensa e vários estabelecimentos industriais, museus, bibliotecas, etc. Foi assim que os aprendizes visitaram já a Casa da Moeda, as oficinas do Século, a fábrica Iniguez e a Biblioteca Pública, e que em breves dias visitarão o Museu Etnológico de Belém, executando-se deste modo o programa esboçado quando, em 8 de novembro do ano findo, determinei em ordem de serviço que os futuros artistas da Imprensa visitassem quinzenalmente os estabelecimentos que pudessem não só interessar às suas especialidades, mas à sua educação em geral. E dessas visitas estão já publicados dois relatórios que não são, positivamente, trabalhos completos, mas que, redigidos por aprendizes, sem habilitações superiores e alguns deles até com fracos conhecimentos técnicos, dão já a medida do alcance que no futuro terá esta iniciativa.
— É então uma iniciativa nova?
— Inteiramente nova na Imprensa e até talvez mesmo fora do estabelecimento, quanto aos detalhes dos relatórios, compostos e impressos pelos rapazes, que assim têm um incitamento que, sem a menor contestação, há de influir no desenvolvimento intelectual e profissional dos nossos aprendizes. As visitas de estudo e as conferências de vulgarização científica e artística estão hoje na ordem do dia em todos os povos. Em Portugal muito se tem feito já neste sentido e para lastimar seria que a Imprensa Nacional não procurasse acompanhar este movimento em que há tanto de útil como de renovador.
— E as escolas profissionais importam algum lucro para o estabelecimento?
— Os aprendizes contribuem, de facto, em parte, para as receitas do Estado, visto executarem algumas publicações, quer do Estado, quer de particulares. Entretanto, devo esclarecer que o aprendiz, hoje, sobretudo, a partir da publicação do regulamento de 1901, não é já o instrumento de exploração que me consta ter sido noutras eras, em que se não procurava de nenhum modo aperfeiçoar a sua educação artística e apenas se tendia a tirar os maiores resultados do braço dos rapazes. Nisto diverge a minha orientação, pois que entendo que a Imprensa Nacional tem o dever de criar artistas, sendo, tanto quanto possível, e até onde os seus recursos lhe permitirem, uma verdadeira escola das artes gráficas.
— Mas julga, então, isso realizável para já?
— A organização da Imprensa apertada ainda em moldes velhos e sujeita às mil peias burocráticas do tempo da monarquia, não permite, por enquanto, grandes voos. Mas o progresso e o desenvolvimento da Imprensa dependem, em grande parte, de boa vontade. Aí tem você, por exemplo, a aquisição recente de uma máquina de compor, do sistema Linotype, que está funcionando com excelentes resultados na escola tipográfica e que, aparte o uso que dela se faz para a exploração industrial serviu a completar a educação artística dos aprendizes de compositor que até há pouco absolutamente desconheciam o sistema mecânico da composição tipográfica. Com os mesmos intuitos, isto é, o da maior produção das máquinas de imprimir e o da educação do respetivo aprendizado, se adquiriram também recentemente na Alemanha, e já estão funcionando aqui com ótimos resultados, três marginadores automáticos aplicados a outras tantas máquinas branco, sistema Alauzet, e em breves dias devemos ter montada uma máquina Phoenix, último modelo da casa Schelter, que se destina a impressões simples e a cores e a trabalhos em relevo e picotagem, coisas que até hoje só conseguíamos com grandes dificuldades e imperfeições em outras máquinas. E tudo isto, agora outras pequenas modificações que aos leitores da Pátria decerto não interessam, se tem feito dentro das peias em que há pouco lhe falei e que não se compadecem com o caráter industrial da Imprensa e com o desenvolvimento que, especialmente depois de 5 de outubro de 1910, este estabelecimento tem tido.
— A expansão industrial da Imprensa tem sido, então, muito maior em plena República?
— Sim, senhor. E neste ponto deixe-me que falem os números que acabo de mandar pedir ao Gregório Fernandes, um dos meus excelentes cooperadores nesta obra de reorganização administrativa, e os quais falam mais eloquentemente do que as minhas palavras. Quer ver? Ao passo que em 1902 as obras executadas foram apenas duas mil e tal, no ano económico de 1909-1910 o número delas, segundo o respetivo registo, foi de 5:118, que no ano de 1910-1911 subiu a 6:561, isto é, mais 1.443 obras do que no ano anterior. No atual económico esse número deve orçar por 7.000, não contando a superabundância de trabalhos do Diário do Governo e das Cortes, que já obrigaram o Sr. ministro do interior a propor ao parlamento um reforço de 19 contos de reis à verba de férias do pessoal. E, a propósito, deixe-me registar que, aparte os pequenos incidentes que dois ou três descontentes possam ter levantado, de modo a entorpecer a marcha que me propus, eu tenho encontrado em todo o pessoal uma excecional dedicação, que ainda anteontem tive ocasião de ver comprovada, quando falava nos Passos Perdidos com o ilustre deputado Dr. João de Meneses acerca de trabalhos urgentes e confidenciais aqui mandados executar. Dizia-me ele que estava verdadeiramente surpreendido com a magia de execução dos operários da Imprensa; por muito lisonjeiro que ele tivesse querido ser para comigo, a verdade é que, nesta quadra excecional de trabalho, todos têm empenhado os seus esforços para que o bom nome e os créditos da casa fiquem por uma vez, e em definitiva, assegurados.
[…] — Aqui trabalha-se.
À saída, Luís Derouet brindou-nos com dois exemplares dos relatórios a que acima se referiu e com algumas gravuras interessantes, executadas nas oficinas daquela casa.»