«Exmº. Sr, Dr. A. de Medeiros Gouveia
Dignº Secretário Geral do Instituto de Alta Cultura
Acuso recebido o ofício de V. Ex.ª datado de 31 de Março último, no qual me é comunicada a concessão de uma bolsa de estudo artística fora do País, na importância de 10.000$00, durante três meses, para prosseguir os meus estudos sobre a fundição de tipos na Holanda, Alemanha Ocidental, Bélgica e Suiça.
Cumpre-me expressar o meu maior reconhecimento pelo interesse com que a Dignª. Direcção e V. Exª. têm acompanhado os meus intentos de ordem profissional. O deferimento do meu pedido corresponde, sem dúvida, ao espaço de tempo e aos países que indiquei mas não pode deixar de ser considerada insuficiente, para aquele efeito, a verba concedida. É verdade que V. Exª. me transmitiu verbalmente a indicação de eu agir conforme fosse possível dentro da referida quantia. No intuito, porém, de precisar melhor o meu pensamento, venho expor mais detalhadamente o que havia planeado, e faço-o também a conselho do ilustre Director Exmº. Sr. João Couto.
Depois de ter ido, há dois anos, a Paris, e a algumas cidades da Itália, mediante bolsa de estudo, na importância de 15.000$00, reconheceu-se a necessidade de dar prosseguimento aos mesmos estudos. Não obstante o bom acolhimento que o assunto teve no Instituto, aquela verba não permitiu que a duração da Bolsa fosse além de 47 dias. Não pôde, pois haver maior demora nos centros de actividade que visitei nem alongar-se o percurso, como se reputava necessário. Também não foi possível ao Instituto tomar imediato aquele prosseguimento.
Ao pensar-se na continuação dos estudos projectei a minha ida a Marselha, para visitar a Fundição Olive a fim de conseguir os ensinamentos que certamente adviriam dos confrontos de natureza técnica que ali faria com o que vi nas fundições de Paris, em 1951. Aproveitaria a passagem por Espanha para conhecer, em Madrid, a Fundição Tipográfica de Richard Gans e a Fundição Nacional, e, em Barcelona, as Fundições J. Iranzo e Neuville.
A ida à Suíça estava também prevista, com a ideia específica de observar o famoso fabrico de filetagem em latão. O uso deste material, generalizado nas nossas tipografias, seria de incalculável utilidade, em fornecimento que bem poderia ser feito pela produção nacional, uma vez obtidos os devidos recursos. Na Suiça estabeleceria contacto com a casa Buhler Frères, que constrói fornos electricos para fazer ligas tipográficas. Estas constituem problema primordial na tipografia, e na Imprensa Nacional de Lisboa são ainda conseguidas por processo antiquado e do qual resultam efeitos técnicos muito irregulares.
O bom aproveitamento do itinerário aconselharia a oportunidade de passar próximo do Norte da Itália para ir a Turim observar o funcionamento da Scuola e Avviamento di Arti Grafiche Vigliari Paravia.
Depois da Suiça tornar-se-ia essencial examinar tão aprofundadamente quanto possível o grau de adiantamento das artes gráficas na Alemanha, país cujo poder de reabilitação industrial está assumindo proporções consideráveis após a última guerra. Há seguros indícios de que em Francfort sobre o Meno, Estugarda e Munique as actividades intervenientes na factura do livro e do jornal vêm tomando grande incremento, assim como se sabe que na Zona Ocidental de Berlim se fabricam máquinas de fundir, cujo aperfeiçoamento conviria observar atentamente.
A minha deslocação do sul para o norte da Alemanha proporcionaria a passagem pela Bélgica e pela Holanda. Em Bruxelas, além de visitar fundições, seria utilíssimo inteirar-me do funcionamento da Escola Profissional de Tipografia (Círculo de Estudos Tipográficos) para se chegar solidamente a conclusões a que o mesmo funcionamento conduz em relação à Escola Estienne, em Paris, e que visitei em 1951. Este apuramento teria reflexos muito proveitosos na orientação da Escola de Fundição de Tipos da Imprensa Nacional de Lisboa.
Quanto à Holanda (Amsterdão), onde as actividades gráficas estão criando posição de relevo, há fortes sintomas de que muito de precioso existe em matéria de fundição de tipos, considerando o seu conhecimento bastante importante para o caso português.
Seguindo para Berlim, aqui se concluiria a tarefa investigadora, regressando finalmente a Portugal, certo de que, além da recolha de elementos técnicos e artísticos relativos ao satisfatório fabrico de caracteres de imprensa em Portugal, o que auscultasse naqueles centros no que se reporta aos superiores recursos tipográficos para satisfazer cabalmente as instantes necessidades dos meios culturais na sua expansão, muito concorreria para orientar os trabalhos a que me proponho com a basilar e preciosa colaboração do Instituto de Alta Cultura.
A conveniência de elaborar, com segurança e sem delongas, o necessário plano de natureza técnica tendente a solucionar o importante problema da fundição de tipos no nosso país aconselha a que o mesmo plano não se trace apenas à base dos elementos colhidos há dois anos em França e na Itália.
O que, em segunda bolsa, se pudesse apurar completaria, sem dúvida, os conhecimentos adquiridos anteriormente, dando maiores possibilidades de realização ao ansiado plano técnico.
Ao dirigir-me a V. Ex.ª ouso manifestar o desejo de que o assunto volte a apreciar-se no sentido de que seja aumentado o subsídio que me foi atribuído de modo a restringir o menos possível a minha missão, tendo em vista o plano de viagem atrás exposto e a reconhecida vantagem de me ser permitido levar de seguida os estudos projectados.
É meu dever informar V. Exª. de que, logo que tomei conhecimento de que o Instituto me destinar a importância de 10.000$00, e no intuito de evitar insistir pelo seu aumento, diligenciei que as despesas com o plano de viagem já mencionado fossem comparticipadas pelo Ministério do Interior – departamento de que depende a Imprensa Nacional. Mas, apesar da boa vontade manifesta pelo respectivo Ministro, não o consegui, por inexistência, então observada, de verba prescrita para casos desta natureza.
Em resposta ao que me é indicado na parte final do ofício (…) e, seja ou não alterada a concessão já feita pelo Instituto, sou a comunicar que penso iniciar a utilização da bolsa de estudo no princípio do próximo mês de Maio.
(…)
Manuel Lopes Canhão
Subchefe da Oficina de Fundição de Tipos da Imprensa Nacional de Lisboa
Lisboa, 28 de Abril de 1953»