«O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte.»
Sai da Aparição para abrir uma agenda. Aquela que a Imprensa Nacional publicou há poucos meses, celebrando o ano centenário. Aquele que conta cem depois da aparição do velho Vergílio.
Não o conheci, morreu em 1996, a escrever o Cartas a Sandra — ou se assim não, assim fica para sempre, porque assim termina este seu último livro. Terá sido a escrever outra coisa, certamente. Mas nada de mais literário do que ter terminado uma vida de palavras escrevendo. Mas se o não conheci sempre o soube velho. Vergílio Ferreira diz-me muito porque também eu acho que nunca nasci novo. Sem comparações nos méritos literários, para acalmar as hostes. Nem nas olheiras, assim o espero. Mas comparando os sentires que nos parecem e aparecem no meio de cada frase escrita.
A agenda, essa, tem uma particularidade que a distingue. Faz-nos escrever a hora da reunião por cima das frases de Vergílio Ferreira. «Reunião na Imprensa Nacional — colecção ‘Plural’.» E, por baixo, «Aproveita a vida enquanto ela é vida dentro de ti.» O que pode parecer muito jovem, assim descontextualizado. Não. Porque continua na agenda e no «Pensar». «Aproveita o teu corpo enquanto és tu que lá moras.» E continua e diz cada vez mais: «Aproveita enquanto estás.» Não há jovem que escreva tal coisa. E eu tenho a certeza absoluta que Vergílio Ferreira escreveu este pequeno «pensar» quando lhe pediram, na escola primária, a redação sobre a vaca.
Título: Vergílio Ferreira, Agenda 2016 INCM
Coordenação Científica: Helder Godinho, Fernanda Irene Fonseca e Jorge Costa Lopes
200 páginas impressas nas oficinas da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, em outubro de 2015.