Numa curiosa introdução ao seu
Dictionnaire bibliographique du XVe siècle, o bibliotecário jesuíta espanhol Carlos Antonio de La Serna Santander descreve o seu próprio processo de investigação da legítima autoria da arte da impressão e do engenho que pela primeira pertimiu compor complexas páginas de texto a partir de simples peças soltas devidamente organizadas e dispostas em formas:
«Os primeiros autores, ou inventores, da impressão, que provavelmente não previram quão concretamente esta feliz descoberta estava destinada a promover a difusão das letras, — e menos ainda, talvez, a honra e a celebridade que eles próprios um dia haveriam de atingir —, sempre zelaram por manter a arte em segredo, ocupando-se apenas dos seus interesses pecuniários, e de como retirar todos os lucros possíveis da sua invenção.
(…)
III. Neste trabalho irei discutir o facto de as cidades de Harlem, Mentz e Estrasburgo, apenas, reclamarem acaloradamente a honra desta invenção, e também as únicas que se gabam de poder produzir provas inequívocas para suportar as suas pretenções.
(…)
LV. Passo agora a expor, a partir das declarações das testemunhas interrogadas neste processo, que o segredo mecânico, que foi objeto da parceria acima referida, e que J. Gutenberg guardou com tanto cuidado, foi a descoberta da arte de imprimir.
LVI. Anne, mulher de Hanns Schultheiss, construtor de fagotes, declarou que Laurence Beildeck, veio uma vez a sua casa procurar Nicholas Dritzehen, seu conhecido, e que lhe disse, meu caro Claus Dritzehen, Adres Dritzehen, de boa memória, deixou quatro páginas preparadas num prelo, e Gutenberg pede que as vás remover e que as destruas, para que ninguém possa ver o que são, porque ele não quer que ninguém as veja.
LVII. Hanns Schultheiss, marido da testemunha anterior, depôs praticamente no mesmo sentido.
LVIII. Cunrad Sahspach, torneiro, declarou que Andres Heilmann, veio ter com ele um dia, na rua dos Mercadores, e disse, Cunrad, Andreas Dritzehen está morto, e como tu construiste o prelo e conheces bem este ofício, vai e tira as peças do prelo, e deixa-as cair em pedaços, para que ninguém veja o que são.
LVIX. O testemunho de Laurentz Beildeck, criado de Gutenberg, é ainda mais decisivo; ele declarou, que Johan Gutenberg o tinha enviado a casa de Claus Dritzehen, após a morte do seu irmão Andres, para lhe recomendar que fosse particularmente cuidadoso em não deixar que o prelo, que estava em sua casa, fosse visto por nenhuma pessoa, qualquer que fosse. Ele também declarou, que Gutenberg lhe tinha ordenado que fosse imediatamente ao lugar onde os prelos se encontravam, e abrisse aquele que tinha dois parafusos, para que as peças caissem em pedaços, e depois que pusesse esses pedaços dentro ou sobre a prensa; porque se tal fosse feito, ninguém seria capaz de compreender o segredo.
LX. A testemunha também declarou que sabia que Gutenberg tinha enviado o seu criado a casa de ambos os Andres [Dritzehen e Heilman] para lhes pedir todas as formas que haviam sido baixadas na sua presença, porque havia algumas correções a fazer. Visto que após a morte de Andres um grande número de pessoas tinha mostrado curiosidade em ver o prelo, Gutenberg tinha enviado o seu criado muitas vezes baixá-lo, para que ele não ficasse visível.
LXI. Finalmente, Hanns Dünne, ourives, disse que cerca de três anos antes havia recebido de Gutenberg cerca de 100 florins, para pagamento de artigos necessários na arte da impressão.
LXII. Estes depoimentos mostram-nos tão claramente e precisamente os primeiros revezes da ascendente arte da impressão, inventada pelo feliz génio de Johann Gutenberg, que ninguém, julgo, pode razoavelmente alimentar quaisquer dúvidas sobre a matéria.
LXIII. Na verdade pode dizer-se que a opinião dos bibliógrafos não se divide a este respeito; é admitido sem hesitação que aqui se fala da arte de imprimir, mas que a questão em discussão é se Johann Gutenberg utilizou, nos seus trabalhos, carateres fixos em blocos de madeira, ou letras separadas. Muitos crêem, e com bons fundamentos, que imprimir com letras separadas, não importa de que material, é que é o objeto destes depoimentos; e esta opinião, não obstante as objeções que lhe têm sido levantadas, é certamente suportada por argumentos fortes.
LXIV. De facto, as declarações destas testemunhas parecem provar, que não é da imprensão com blocos inteiros, mas da verdadeira arte tipográfica, a impressão propriamente dita, nomeadamente com letras ou tipos separados, que aqui se trata. (…) Se as páginas tivessem sido formadas por blocos inteiros, como é que poderiam desfazer-se em peças, ou ficado desarrumadas em letras separadas assim que se abrisse o prelo? Além disso, que vantagem haveria em colocá-las sobre o prelo para melhor guardar o segredo? (…) especialmente, quando a arte de imprimir imagens, com frases e exlicações a partir da gravação num único bloco de madeira já era conhecida há muito na Alemanha (…).»