Bocage ou o Elogio da Inquietude, da autoria do investigador bocageano Daniel Pires, é a obra biográfica do poeta sadino há muita aguardada nas livrarias. Neste extenso trabalho, Daniel Pires revela também dados inéditos e desconhecidos da personalidade e da obra de Bocage, esclarecendo alguns equívocos que a tradição tem consolidado ao longo do tempo.
Poeta de primeira água, escritor compulsivo e seminal, Bocage trilhou, em páginas de filigrana, os caminhos da lírica, da sátira, do erotismo e do drama e traduziu alguns dos principais escritores clássicos greco-latinos, franceses e italianos. Por ser apologista do livre pensamento foi amplamente censurado. Recorreu à clandestinidade para dar a conhecer o primeiro manifesto feminista português, que redigiu em verso, e compôs um manifesto iluminista, que punha em causa os fundamentos da ordem social vigente. Conheceu a fama e a fome: levou a poesia do palácio para a rua, democratizou-a, dizendo-a nos cafés, nas feiras, nos botequins e no «Passeio Público», onde também vendia, para angariar meios de subsistência, os seus manuscritos, exaustivamente cinzelados, sem cessar burilados. A inveja dos rivais da Academia de Belas-Letras, a inquietude que o possuía e a transgressão expressa, designadamente, na sua obra clandestina, que encerra as sementes da liberdade e da alteridade, conduziram-no, várias vezes, ao cárcere. Respondeu, então, perante a Intendência-Geral da Polícia e a Inquisição, que o tentaram, sem êxito, reeducar. Para cúmulo, sem túmulo: faleceu na flor da idade, aos 40 anos, e os seus restos mortais foram parar à vala comum.
Daniel Pires in Bocage ou o Elogio da Inquietude.
Ao longo de vários anos, cerca de 30, o autor estudou a obra do poeta, tornando-se num dos maiores bocageanos da atualidade. Apoiada em cerca de cem documentos inéditos, pesquisados nos arquivos da Intendência-Geral da Polícia, da Inquisição, do Ministério do Reino e do Desembargo do Paço, esta biografia pretende reconstituir o quotidiano da vida de Bocage.
Daniel Pires, coordenador das «Obras Completas de Bocage», publicadas pela Imprensa Nacional, apresenta-nos Bocage ou o Elogio da Inquietude em 20 capítulos, distribuídos por cerca de 550 páginas! São eles: As raízes familiares; A educação e o ensino do jovem Manuel Maria; A vida militar de Bocage em Setúbal; Bocage na Marinha (1783-1785); Rumo ao Oriente; Por terras da Índia (1786-1788); A mítica China e Macau; De regresso ao reino (1790); Um titã entre anões: O confronto na Academia de Belas-Letras (1790-1793); Boémia e transgressão (1794-1797); As afinidades eletivas de Lunardi e de Bocage (1794); A ferros, no Limoeiro (1797); A «reeducação» de Bocage (1798); «Liberdade querida e suspirada» (1799-1802); Nas malhas da censura; A polémica com José Agostinho de Macedo (1802); Nos meandros da Maçonaria; A fama… e a fome! (1803); O fim da caminhada e outros descaminhos… (1804), e Para cúmulo, sem túmulo (1805).
Ao ler esta obra vai poder encontrar novas interpretações e dados biográficos do poeta sadino, até agora desconhecidos. Recorde-se que Bocage ou o Elogio da Inquietude é o resultado de cerca de 30 anos de pesquisa, conforme explicou Daniel Pires em entrevista ao PRELO, datada de dezembro de 2019. Recorde-a aqui.
Manuel Maria de Barbosa du Bocage nasceu no dia 15 de setembro de 1765, um domingo, às 3 da tarde. Horas antes, de madrugada, teve lugar, quiçá premonitoriamente, um eclipse do Sol. (…) José Luís e Mariana geraram uma prole ampla, mais precisamente, seis crianças, sendo o futuro poeta a quarta. Na época, o filho primogénito era privilegiado relativamente aos seus irmãos, ou seja, tinha um estatuto diferente. No caso deste agregado familiar, constituído pelos pais, por quatro elementos do sexo feminino e dois do sexo masculino, as diferenças eram consideráveis. Numa vila da província, as raparigas apenas podiam ambicionar uma educação caseira, normalmente ministrada pelas mães, pelas tias e/ou avós, e, mais tarde, contrair matrimónio, se encontrassem um consorte, ou entrar para um convento que lhes garantisse a sobrevivência. Na verdade, só nos finais do século XVIII aparecem na Gazeta de Lisboa, os primeiros anúncios que versavam sobre a educação feminina.
Os rapazes — Gil Francisco e Manuel Maria —, respetivamente o terceiro e o quarto filhos, tiveram percursos distintos. O mais velho formou-se em Leis, pela Universidade de Coimbra, onde estudou de 1785 a 1791. O futuro poeta, sem alternativas, para si sedutoras, na vila de Setúbal, foi forçado a optar pela carreira das armas, para a qual não estava de forma alguma vocacionado, como duas deserções e vários conflitos castrenses claramente viriam a provar.