Em tempos de incerteza e isolamento convocámos (virtualmente) os nossos poetas e lançámos o desafio: dizer, pela própria voz, a sua própria poesia.
Hoje, Antonio Carlos Secchin diz poesia de Antonio Carlos Secchin.
Antonio Carlos Secchin nasceu no Rio de Janeiro, em 1952. É Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde lecionou por quase quatro décadas, até 2011. Hoje, é Professor Emérito da instituição.
É também poeta com 10 livros publicados, é ainda autor de outros sete na área do ensaio. Organizou também uma vintena de publicações — antologias, obras reunidas — de alguns dos mais importantes poetas da literatura brasileira, como Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar.
Em 2004, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tornando-se à época o mais jovem membro da agremiação. Proferiu cerca de 500 palestras distribuídas por quase todas as regiões do Brasil e por países de África, América e Europa.
Desdizer, foi publicado pela Imprensa Nacional, em 2018, e congrega toda a produção poética de Antonio Carlos Secchin, poeta que, nas palavras de Ferreira Gullar:
«além de lúcido crítico de poesia, é poeta e de raras e especiais qualidades, numa mescla de lirismo e senso de humor».
Antonio Carlos Secchin contou-nos que quando tinha apenas minutos de vida quando o seu avô materno, português de Évora, profetizou que ele iria ser escritor. E quis o acaso que nascesse no Dia de Camões. Disse-nos ainda que não tem a pretensão de «unificar as duas datas nacionais» mas gostaria de ver as literaturas portuguesa e brasileira, muito concretamente no campo poético, a descobrirem-se uma à outra. Afinal, são «duas amigas que se desconhecem», referiu o poeta ao Prelo, aquando da entrevista a prospósito do lançamento de Desdizer. Aconteceu na Bibioteca da Imprensa Nacional, em Lisboa, a 11 de maio de 2018. Recorde um pequeno excerto da entrevista.
P — Desdizer está então publicado na coleção «Plural». E António Carlos Secchin é o segundo poeta brasileiro a ver a sua obra a entrar nesta renovada coleção. Foi precedido por Eucanaã Ferraz e sucedido por Alice Sant’Anna. Sente que está em boa companhia? E que a poesia brasileira está bem representada?
ACS — Estou em ótima companhia! Por acaso Eucanaã Ferraz foi meu orientando. Dirigi a tese de doutorado dele sobre João Cabral [Melo Neto] e acompanho a trajetória do Eucanaã desde o seu Livro Primeiro, e todo o resto da sua obra, sobre a qual já escrevi. Ele será talvez o mais português dos atuais poetas brasileiros, pelas amizades que tem aqui e também por um certo lirismo lusitano. No caso da Alice Sant’Anna já se trata de outra de geração, com outro olhar, igualmente uma poesia subtil, bem feita. Sinto-me feliz por ter esses dois nomes junto ao meu na coleção «Plural». Sem esquecer que João Cabral que na década de 1980 teve uma linda edição publicada pela Imprensa Nacional.
P — Refere-se à Poesia Completa (1940-1980).
ACS — Sim, era uma obra com a poesia reunida do João Cabral e contava com um prefácio de Óscar Lopes.
P — Para si que outros poetas brasileiros mais se evidenciam neste ainda jovem século XXI?
ACS — Essa é uma pergunta um pouco embaraçosa.
P — Gostava que me respondesse.
ACS — Embaraçosa porque corro o risco de me esquecer de alguém. Manuel Bandeira, poeta com grande senso de humor, não respondia a perguntas, por exemplo, sobre escolha de nomes para antologias. Ele organizou várias, da poesia romântica, da poesia parnasiana, da simbolista, da pré-modernista, e um dia o convidaram a organizar uma antologia da poesia contemporânea. Ele recusou-se: «Se eu organizar uma antologia de poesia contemporânea, vou fazer 300 inimigos e vou ter 50 mal agradecidos!» (risos)
P — Então esqueçamos os nomes e diga-me: a seu ver, para onde caminha, quais são as tendências da poesia brasileira? Um movimento? Uma escola?
ACS — Iniciei-me, na década de 1970, na chamada poesia marginal ou geração do mimeógrafo, que deu fama a Ana Cristina César, Chacal e outros. Havia uma atmosfera de repressão política no Brasil mas liberdade para a prática da «contracultura». Repressão política e libertação de costumes. Uma coisa não obriga a outra. Uma sociedade permissiva mas sufocada politicamente. Para a maioria dos poetas dessa época a poesia era uma experiência direta de vida, algo espontâneo, que passava longe do saber académico… Nunca me identifiquei com esta ideia de espontaneidade porque sempre achei que toda a espontaneidade é fabricada, é construída. A espontaneidade enquanto tal não pode ser uma categoria a ser necessariamente valorizada. O que noto na geração mais recente é o contrário, trata-se de geração muito letrada, com formação universitária, e que tem muito presente a técnica, o fazer do verso. Portanto, considero a geração contemporânea mais equipada do ponto de vista da consciência laboral do verso. Por outro lado, estar equipado ou estar imerso no conhecimento universitário hoje , para boa parte dos poetas (em que não me incluo) não significa um compromisso com a tradição poética.
Na apresentação de Desdizer, (da esquerda para a direita) Ronaldo Cagiano, Duarte Azinheira, Antonio Carlos Secchin e Jorge Reis-Sá.
P — Ao lermos o Secchin dos primeiros anos, dos primeiros versos, apercebemo-nos de que existe uma clara relação, talvez uma homenagem, à tradição poética brasileira.
ACS — É verdade! E até à tradição poética portuguesa. Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade, Camões…
P — Aqui em Desdizer encontramos um poema intitulado «A Fernando Pessoa» e outro, «Cantiga», neste último pressentem-se os ecos de Camões. Que outros autores portugueses admira?
ACS — Cesário Verde é um poeta que eu gostaria de sequestrar para a literatura brasileira. Nós não temos nada no Brasil de equivalente. Ele é parnasiano, é realista, é irónico. A geração pós Fernando Pessoa teve um obstáculo, que foi escrever depois de Fernando Pessoa, é algo muito difícil. Admiro Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner Andresen — sobre quem escrevi recentemente —, Herberto Helder, Pedro Tamen, António Ramos Rosa, Gastão Cruz, Nuno Júdice, Inês Fonseca Santos, David Mourão-Ferreira, Fiama [Pais Brandão], Al Berto… e ainda faltam alguns. O que eu não quis fazer no tocante ao Brasil, indicar nomes, você conseguiu que eu fizesse em relação a Portugal! (risos)
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