por Helena Bento
in Expresso «Cultura», 21.02.2018
(…) trabalhámos a partir dessa edição (de 1888) que é aquilo a que chamamos edição autorizada, isto é, a única edição que Eça acompanhou e que teve muitos acidentes de percurso. O texto esteve na tipografia mais de oito anos. Eça vivia no estrangeiro e isso também complicava as coisas. Seja como for, essa edição ficou como o único texto de referência. Há alguns materiais de espólio, como um ou outro manuscrito abandonado, que também foram aqui usados, mas mais como apêndices e trabalho preparatório. Não trabalhámos a partir de manuscritos porque de facto não há manuscritos. Devem ter-se perdido quando Eça os enviou para a tipografia a partir da Inglaterra.
A obra levou muito tempo a ser escrita e passou de facto por muitas mãos em diferentes tipografias, o que fez com que os critérios fossem muito oscilantes. Na época, os escritores confiavam muito no trabalho das tipografias e isso gerava algumas discrepâncias e incongruências. A edição crítica procura, na medida do possível, normalizar o texto. E evidentemente resolver também alguns lapsos que o escritor cometeu e o tipógrafo não viu.
Pergunta-me – para que serve então uma edição crítica? E eu respondo-lhe – serve como matriz para futuras edições. É um pouco como se quiséssemos reproduzir um quadro mas, percebendo que esse quadro está um pouco estragado, optássemos por restaurá-lo primeiro e só depois então reproduzir. Assim, as editoras que continuam a editar “Os Maias” têm de considerar o facto de já existirem edições críticas de muitos títulos. Porque de facto não faz sentido fazermos edições desta natureza se as edições correntes, que estão no mercado, não se baseiam nessas edições críticas. É como se estivéssemos constantemente a repetir os mesmos erros e a reproduzir a versão estragada do quadro e não a restaurada.
Algumas [editoras consideram as edições críticas], outras não, e basicamente por razões económicas. De facto, é mais barato reproduzir infinitamente e também dá menos trabalho. Há quem invoque a questão dos direitos de autor, mas isso é apenas uma má desculpa, porque os direitos de Eça de Queirós estão em domínio público. A editora pode usar edições críticas sem ter de pagar um tostão nem à Imprensa Nacional nem à família de Eça. Se não usa, é por preguiça – porque usar edições críticas obriga a recompor o texto e não apenas a fazer uma reprodução fotomecânica – ou por razões económicas. Isto merece uma reflexão. A nossa ideia de património baseia-se muito no património físico – nas capelas românicas, nos quadros do século XVI e por aí fora. Se alguém estragar um monumento, uma escultura, uma pintura, uma capela ou a fachada de uma catedral, essa pessoa é responsabilizada e a comunidade indigna-se. Mas parece que as obras dos escritores não cabem neste critério e que portanto podem ser estragadas ao longo dos anos, que não há problema nenhum e ninguém se preocupa.
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