Jean-Pierre Sarrazac é um homem sábio do teatro. É professor emérito do Instituto de Estudos Teatrais da Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3 — que dirigiu — e professor convidado da Universidade de Louvain-la-Neuve. Mas é também conhecido por todos aqueles da cena teatral como encenador, dramaturgo, ensaísta, escritor…
Em entrevista à PRELO, definiu-se como «um ensaísta que tenta também fazer teatro» defendendo que, antes de ser uma arte, o teatro «é uma atividade». Afinal, «há muita gente que faz teatro para se desenvolver a si própria».
A melhor descrição que conhece sobre esta arte tão «primitiva» como «atual» é mesmo a literal: teatro em grego significa «o lugar de onde se vê»; e Jean-Pierre Sarrazac não quer propor uma nova, porque esta lhe convém «perfeitamente». Entre a tragédia e a comédia, prefere a tragicomédia porque gosta «da mistura do alto e do baixo, do sério e do grotesco». Jean-Pierre Sarrazac também aprecia a ideia de «não se hierarquizar as artes» e diz que o teatro amador é o «viveiro do teatro artístico». É também uma aprendizagem de vida, uma aprendizagem do «coletivo» e «um complemento muito significativo da formação escolar», mas que em França ainda não está «suficientemente desenvolvido».
Texto e tradução: Tânia Pinto Ribeiro
Fotografias: Tânia Pinto Ribeiro e Paula Mendes
Jean-Pierre Sarrazac é um homem sábio do teatro. É professor emérito do Instituto de Estudos Teatrais da Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3 — que dirigiu — e professor convidado da Universidade de Louvain-la-Neuve. Mas é também conhecido por todos aqueles da cena teatral como encenador, dramaturgo, ensaísta, escritor… Em entrevista à PRELO, definiu-se como «um ensaísta que tenta também fazer teatro» defendendo que, antes de ser uma arte, o teatro «é uma atividade». Afinal, «há muita gente que faz teatro para se desenvolver a si própria». A melhor descrição que conhece sobre esta arte tão «primitiva» como «atual» é mesmo a literal: teatro em grego significa «o lugar de onde se vê»; e Jean-Pierre Sarrazac não quer propor uma nova, porque esta lhe convém «perfeitamente». Entre a tragédia e a comédia, prefere a tragicomédia porque gosta «da mistura do alto e do baixo, do sério e do grotesco». Jean-Pierre Sarrazac também aprecia a ideia de «não se hierarquizar as artes» e diz que o teatro amador é o «viveiro do teatro artístico». É também uma aprendizagem de vida, uma aprendizagem do «coletivo» e «um complemento muito significativo da formação escolar», mas que em França ainda não está «suficientemente desenvolvido». Foi na escola que Jean-Pierre Sarrazac teve o primeiro contacto com este lugar mirante do mundo. Ouviu as três pancadas de Molière e viu ser representada As Bodas de Fígaro, de Beaumarchais. Dos autores dramáticos franceses mais recentes, destaca Jean-Luc Lagarce e Benard-Marie Koltès, ambos já desaparecidos, mas «incontornáveis para a dramaturgia francesa». Dos estrangeiros, é o autor da peça O Sonho de Outono, o norueguês Jon Fosse, que gosta sempre de salientar. Mas, se tiver de escolher, o maior entre os maiores não tem dúvidas: Shakespeare! E, porque tem mesmo de ser, Strindberg! Quanto aos destinos da escrita dramática em português, Jean-Pierre Sarrazac diz-se «bastante otimista». Diz também que é a favor de um «teatro aberto» e julga que a dimensão crítica do teatro «está menos presente» nos nossos dias. Para Jean-Pierre Sarrazac, o teatro não é uma arte elitista mas, corre o «perigo» de se encerrar sobre si próprio e de cair num certo «formalismo». Em relação ao futuro também não hesita: «o teatro tem mais de 25 séculos no Ocidente e penso que vai continuar a existir nos próximos 25!» E qual é, então, o papel principal do teatro, num mundo que nos chega pelo smartphone, Jean-Pierre Sarrazac? O de sempre: ajudar a compreender o mundo. «O teatro é um ‘aparelho’ através do qual podemos aceder a uma melhor compreensão das relações humanas». Na sua ligação com as outras artes, um poeta e cantor português que o emociona «muito» e «merecedor de um Nobel» é José Afonso, a quem se rendeu depois de ouvir «Minha Mãe». Nas pontes que se podem estabelecer entre Portugal e França, relativamente ao teatro, Jean-Pierre Sarrazac é perentório: «um dos mais importantes homens de teatro em França, hoje em dia, é Emmanuel Demarcy-Mota, um franco-português. E isto diz tudo». Sarrazac tem duas salas de teatro preferidas: uma em Paris, no Teatro Nacional de La Colline, e a outra no Porto, no Teatro Nacional de São João (TNSJ) com o qual mantém, nas pessoas de Nuno Carinhas e Fernando Mora Ramos, uma relação de «verdadeira amizade e colaboração». Foi lá que apresentou a 11 de novembro o seu livro juvenil — mas que os adultos devem ler também — Vou ao Teatro Ver o Mundo. Com ilustração e design gráfico de Abigail Ascenso, tradução de Alexandra Moreira da Silva, numa edição conjunta do TNSJ e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) esta é, nas palavras do seu autor, uma edição «magnífica», uma edição de «tirar o fôlego». É a edição «do coração» de Jean-Pierre Sarazac.PRELO (P) — Vou ao Teatro Ver o Mundo, que a Gallimard editou, pela primeira vez, em 2008, acaba de ser publicado em Portugal numa parceria entre o TNSJ e a INCM. O que pensa da edição portuguesa de Vou ao Teatro ver o Mundo? JEAN-PIERRE SARRAZAC (JPS) — A edição portuguesa é magnífica! É a minha edição do coração! P — Disse na apresentação do livro que esta era a «verdadeira primeira edição» do seu livro… JPS — Sim, é mesmo verdade! Talvez não seja simpático para a Gallimard, que me encomendou e publicou este livro. Aliás, este livro figura numa coleção muito bonita de filosofia para as crianças [Chouette penser!]. Mas a edição portuguesa é realmente magnífica. P — Está, portanto, contente com o resultado da edição em português? JPS — Estou muito contente!
P — Já conhecia a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, ou este foi o seu primeiro contacto com a editora pública portuguesa? JPS — Não, não conhecia. Este foi o meu primeiro contacto com a Imprensa Nacional‑Casa da Moeda. E tenho a dizer que a Imprensa Nacional fez um trabalho de edição de tirar o fôlego, um trabalho verdadeiramente notável.
P — Vou ao Teatro Ver o Mundo é um livro para os jovens, mas que os adultos devem ler também? JPS — Sim, devem. Este livro é também para os adultos que acompanham os jovens. Modestamente, penso que ao ser uma obra para a juventude é também uma obra para toda a gente.
P — E quem é o herói deste Vou ao Teatro Ver o Mundo?
JPS — É o meu filho Martin [Martinho, na edição portuguesa], quando era pequeno. Agora já tem 38 anos!
P — A seu ver, quais são as preocupações que se deve ter ao escrever para os jovens sobre teatro? JPS — Creio que é preciso pensar que o que é bom para todos, o que é verdadeiramente universal é igualmente bom para os jovens. Acho que não devemos reduzir o pensamento quando escrevemos para os jovens. Temos, simplesmente, de o tornar o mais claro e tão acessível quanto possível.
P — Está no Porto para apresentar o seu livro, mas também para fazer uma oficina de escrita. Tem estado a correr bem? Muitos participantes? JPS — Sim, a oficina de escrita correu muito bem. Acabou hoje. Tivemos 13 participantes, todos jovens autores. Foi bastante dinâmico e também bastante cansativo. É por isso que estou neste estado de cansaço! [risos]
JPS — Surgiu com Fernando Mora Ramos e com o Teatro da Rainha. Há muitos anos, há várias décadas, já, que nós trabalhamos juntos. E foi ele que me trouxe ao Teatro Nacional de São João, aqui no Porto, onde conheci o Nuno Carinhas. Desde aí, existe uma verdadeira colaboração e uma verdadeira amizade.
P — Dirige também a coleção Penser le théâtre, nas edições Circé. Como é dirigir uma coleção sobre teatro? JPS — Dei-lhe uma reorientação em relação a outras edições que já existiam. A dramaturgia é o que me interessa mais e também os ensaios sobre os dramaturgos, como o [Herink] Ibsen por exemplo. Acabámos de publicar agora Henrik Ibsen, le constructeur, com Jonathan Châtel. Estou também a preparar um Strindberg e vários livros sobre o futuro do teatro e o futuro da forma dramática, nomeadamente a Théorie du drame moderne, de Peter Szondi. Temos mais de 20 livros publicados. Reeditámos, por exemplo, o ensaio De l’art du théâtre, de Gordon Graig, que estava inacessível em França.
P — Lembra-se da primeira vez que foi ao teatro?
JPS — Foi na escola!
P — E lembra-se da peça que viu?
JPS — Foi uma peça de Beaumarchais, chamada As Bodas de Fígaro.
P — A seu ver, qual é a importância do teatro amador e académico?
JPS — Por um lado, o teatro amador é o viveiro do teatro artístico. Mas não é apenas isso. Por outro lado, o teatro amador é também uma aprendizagem de vida. É a aprendizagem do coletivo. É uma construção. Aprendemos a construir os elementos do cenário, a ocupar um espaço, a recitar um texto. O teatro amador, no fundo, é um complemento muito significativo da formação escolar.
P — Qual é a importância de ir ao teatro numa época em que o mundo nos chega via smartphone? JPS — É verdade! O teatro é uma arte viva, e isso diz tudo. É preciso encontrar o equilíbrio na rede, na Internet, etc., que têm também a suas funções, mas que não substituem de todo o contacto com o palco, com a cena e com o jogo entre nós e nós próprios, e entre nós e o outro.
P — A seu ver, que mundo nos mostra o teatro hoje em dia, Jean-Pierre Sarrazac? JPS — Na minha opinião, não nos mostra o suficiente. Estou ligado a um teatro que nos conta o mundo, nomeadamente ao teatro de [Bertolt] Brecht num sentido muito diferente daquele que nos conta o teatro de [August] Strindberg. Penso que, hoje em dia, a dimensão crítica do teatro está menos presente.
P — Qual a melhor definição para teatro que já leu ou ouviu? JPS — É a definição literal. Em grego teatro é «o lugar de onde se vê». E é por isso que eu digo «vou ao teatro ver o mundo». Vou ao teatro, a esse lugar de onde vejo o mundo. É a utopia do teatro.
P — Quer propor-nos uma outra definição? JPS — Ah, não! Esta convém-me perfeitamente! [risos]
P — Tem refletido muito sobre o teatro. Na sua opinião qual é o futuro do teatro?
JPS — Penso que o teatro no Ocidente tem mais de 25 séculos no Ocidente, e penso que vai continuar a existir nos próximos 25 séculos!
P — Na sua época Roland Barthes defendia que o teatro fazia «o grande comentário da nossa sociedade». Concorda? Que «comentário é este»?
JPS — Sim, sim, concordo. Esse é aliás um texto que eu comentei, que retomei nos meus escritos pessoais. O grande comentário de que nos fala Barthes é o do teatro de [Jean] Vilard, de [Bertolt] Brecht; de um teatro crítico que nos dá conta, com um certo olhar filosófico, do mundo no qual estamos.
P — Diz que «antes de ser uma arte, o teatro é uma atividade». Para si o teatro é uma paixão e… JPS — Claro que sim, é uma paixão! Quando falo de «atividade» é porque há muita gente que faz teatro para se desenvolver a si própria. E está muito bem assim! O teatro não é apenas uma arte. Claro que a componente artística é a que nos toca mais. Aprecio muito que se faça teatro nas escolas, e que as pessoas sejam os atores do momento, que sejam atores amadores. Creio que atualmente o teatro amador não está suficientemente desenvolvido, pelo menos no caso da França.
P — Escreveu, em Vou ao Teatro ver o Mundo, que «muitos dos grandes homens e mulheres do teatro da época moderna e contemporânea consideram o teatro grego e antigo um ideal e um modelo». Inclui-se neste grande grupo? E porquê? JPS — Sim, claro, mas tendo sempre presente que essa nostalgia pode ser perniciosa. É preciso fazer o teatro da nossa época, e a nossa época não é a Ágora, a nossa época não é a democracia ateniense. Infelizmente! É preciso talvez mudar primeiro a política, o que significa que temos um grande trabalho pela frente, para poder reencontrar um teatro que se faça em uníssono a uma mesma voz, que faça em unanimidade.
P — Defende também que no século XX a arte do teatro se mistura com a arte do romance. Quer explicar-nos porquê? JPS — Na época de Zola, na época naturalista, apercebeu-se de que o teatro não dava suficientemente conta da realidade do mundo, e de que o romance era um instrumento muito mais aperfeiçoado para o fazer. Ou seja, mais capaz de mostrar a realidade do mundo. Veja as famosas descrições de Zola, por exemplo. Mas, aos poucos, o teatro deixou-se influenciar pelo romance, passando a incluir essa dimensão narrativa e épica. Falava há pouco de Brecht… Brecht excede-se a contar o estado do mundo. Houve um momento em que o teatro teve de se alinhar com o romance. Temporalmente, esse momento situa-se, entre a guerra franco-prussiana de 1870 e a Grande Guerra de 1914.
P — Na tragédia grega tal como no teatro de Shakespeare, a «arte elevada» mistura-se com a «arte popular». Acha que o teatro hoje em dia é elitista?
JPS — Não, não acho. Mas existe o perigo do teatro se encerrar sobre si próprio, de que se encerre num certo formalismo. Eu sou a favor de um teatro aberto.
P — A este propósito, o que pensa sobre a decisão da Academia Sueca para o Nobel da Literatura de 2016?
JPS — Acho muito bem. Concordo a 100%. No fundo, foi como quando eles decidiram consagrar Dario Fo. Aí, foi o contista que foi consagrado; aqui é o cantor-poeta. Parece-me bastante bem não hierarquizar as artes e não considerar apenas a «grande literatura». Muitas vezes a dita «literatura menor» é a mais forte.
P — Quem são dos novos autores dramáticos franceses os que mais aprecia?
JPS — [Jean-Luc] Lagarce e [Bernard-Marie] Koltès… ambos já desaparecidos. Morreram muito jovens, mas são dois autores incontornáveis e muito importantes para a dramaturgia francesa.
P — Para as pessoas que não conhecem bem a dramaturgia francesa, por onde se deve começar? Racine, Molière, Corneille…?
JPS — Sim, por esses, mas também pelos autores contemporâneos. Koltès, por exemplo! E também pelos estrangeiros como Jon Fosse, por exemplo, que é norueguês.
P — Conhece o teatro português? Tem um dramaturgo preferido?
JPS — Conheço razoavelmente bem. Aquando dos diferentes ateliês de escrita que fui animando ao longo dos anos, em Évora e, depois, em 2011 e 2016, no TNSJ, encontrei, entre os participantes, uma trintena de jovens e menos jovens autores — uns iniciantes, outros já consagrados — que me deixaram bastante otimista em relação aos destinos da escrita dramática em português.
P — Não nos quer adiantar um ou dois nomes? JPS — Prefiro ficar sobre o plano do coletivo do que estar a evidenciar um ou outro nome. P — Paris foi palco de vários atentados terroristas nestes últimos anos. A seu ver, como é que a arte em geral e o teatro em particular podem combater o terrorismo?
JPS — Como um meio fraco… Mas, na verdade, não há meios fracos no combate ao terrorismo. Há que reunir vários meios. O teatro pode fazer uma parte, o cinema outra parte… Mas é claro que são precisos outros meios. Principalmente, é preciso a mobilização de todos os cidadãos. P — Afinal, qual é o papel principal do teatro hoje em dia?
JPS — Para mim, o teatro ajuda-nos a compreender o mundo. O teatro é um aparelho através do qual podemos aceder a uma melhor compreensão das relações humanas.
P — As peças A Cantora Careca e A Lição, de Eugène Ionesco, estão em cena ininterruptamente há mais de 50 anos, em Paris. Totaliza mais de 18 000 representações e mais de 2 milhões de espectadores. O que é que isto significa?
JPS — Trata-se de uma farsa que Ionesco fez à humanidade!
P — Nascemos espectadores ou tornamo-nos espectadores?
JPS — Tornamo-nos espectadores. Essa prática de espectador desenvolve-se, vamos afinando essa perspetiva do espetáculo, esse olhar sobre o teatro.
P — Jean-Pierre Sarrazac é em primeiro lugar: um professor, um encenador, um ensaísta ou um escritor?
JPS — Concretamente, sou isto: um ensaísta que tenta também fazer teatro.
P — Não sente que tem também um bocadinho de filósofo?
JPS — Hum… Não… Enfim, talvez um bocadinho, como toda a gente.
P — Toda a gente pode fazer filosofia?
JPS — Isso é o desejável. Para que o mundo possa ir um pouco melhor.
P — É professor emérito de dramaturgia. O que é que os alunos procuravam nas suas aulas?
JPS — Penso que eles procuravam constatar as minhas convicções. Procuravam alguém que tivesse convicções e que fosse capaz de as fazer pensar, alguém que soubesse escutar os outros. Ser professor não é apenas ensinar… É também formar-se a si mesmo no contacto com os estudantes.
P — Qual é a importância de Bernard Dort na sua carreira?
JPS — Capital! Devo-lhe tudo. Foi meu mestre e tornou-se meu amigo.
P — Roland Barthes foi também importante para si?
JPS — Sim, mas menos. Barthes esteve presente na minha defesa de tese e segui os seus seminários. Mas é a Bernard Dort que devo tudo.
P — A sua tese está aliás traduzida para português…
JPS — A minha tese foi sobre a escrita dramática contemporânea. E está traduzida para português: O Futuro do Drama.
P — Hoje em dia, prefere a tragédia ou a comédia?
JPS — Prefiro a tragicomédia.
P — E porquê?
JPS — Porque gosto dessa mistura da alto e do baixo, do sério e do grotesco.
P — Sei que também gosta de José Afonso. Como é que o descobriu?
JPS — Sim, é verdade. Até participei num espetáculo em que ele foi homenageado. É um cantor e um poeta que me emociona muito. Olhe, e ele também era merecedor do Prémio Nobel!
P — E tem uma canção, um poema preferido?
JPS — Sim, tenho. Chama-se «Minha mãe»!
P — Que pontes é que se podem estabelecer entre Portugal e França no que concerne ao teatro?
JPS — Um dos mais ilustres homens de teatro em França hoje em dia é Emmanuel Demarcy-Mota, que é um franco-português. Está à frente do Thêatre de la Ville, em Paris, e do Festival d’Autonne. E isto diz tudo.
JPS — A Teresa foi minha colega, foi estudante ao mesmo tempo que eu. Fizemos juntos os seminários de Dort.
P — Teresa Mota-Demarcy iniciou a sua carreira de atriz no TNDM II e depois foi professora em Paris III, como o Jean-Pierre… JPS — Sim, sim. E ela era lindíssima! [risos]
P — Ao nível teatral, que grandes diferenças encontra entre Portugal e França? O orçamento, por exemplo? JPS — O orçamento?! [risos] Eu tenho muito prazer em trabalhar em Portugal, sabe porquê? Sobretudo, porque creio que há mais simplicidade, mais franqueza, mais camaradagem no teatro português do que no teatro francês atual.
P — Sente que no meio teatral francês há muita rivalidade? JPS — Oh sim! Fatalmente!
P — Acredita que o teatro ainda nos permite sonhar?
JPS — Sim… Por exemplo, nas peças de Jon Fosse, esse autor de que falei há pouco. A sua peça O Sonho de Outono é um teatro onírico que nos embrenha no seu onirismo, faz‑nos penetrar no seu próprio sonho. Sim, o teatro ainda nos permite sonhar!
P — Mas o teatro é também «ação!»
JPS — Sim, mas isso é o teatro na sua origem. Drama significa ação. Tomemos por exemplo o teatro de Duras, que me diz muito — é um teatro do état des choses, da situação, da circunstância. É um teatro estático mas como diz [Maurice] Blanchot «a imagem fixa não tem repouso».
P — Consegue caracterizar a corrente atual do teatro? JPS — Ah! Isso é impossível. Há várias correntes. Joseph Danan fala muito de uma tendência para a performance do teatro, e ele tem razão. Atualmente, voltamos a um teatro do jogo, a um teatro do lugar artaudiano [relativo a Antonin Artaud]. Há alternâncias. Por vezes Artaud, outras Brecht. Talvez devessemos hibridar os dois [risos].
P — A seu ver, porque é que o teatro continua a ser uma arte tão especial, tão sobrevivente, tão intemporal? JPS — Não diria intemporal. O teatro é simultaneamente primitivo — há a cena de origem, a cena grega — e muito atual. Quando olhamos para os meios técnicos que se utilizam para fazer teatro (os vídeos, etc.) verificamos que se trata de uma arte bastante atual também. Mas há sempre uma tensão entre o mais arcaico, o mais antigo e o presente. É esta tensão que faz com que o teatro esteja no coração da arte. Sim, o teatro está no coração da arte!
P — Um pequeno desafio Jean-Pierre: escolher o maior entre os maiores dos dramaturgos de todos os tempos. JPS — Shakespeare! [pausa] E Strindberg!