A exposição «Ídolos. Miradas Milenarias/Ídolos. Olhares Milenares» foi o maior evento cultural realizado em parceria entre Espanha e Portugal durante a pandemia de COVID‐19. Para atingir este objetivo, reuniram‐se apoios administrativos e institucionais das autoridades políticas dos dois países e das redes científicas que integramos, que se apoiam também em redes interpessoais.
Conjugar expectativas, fomentar os desejos de projeção de um património único que partilhamos, é a mais inteligente das estratégias para uma divulgação de alto nível, em que foi possível juntar a beleza de excecionais bens culturais — as pequenas figurinhas de corpos humanos que acompanharam a vida e a morte dos habitantes da Ibéria desde 5600 a 2200, antes da nossa Era — com um esforço concertado para aumentar e divulgar o seu conhecimento científico. Nunca como agora se havia reunido quase trezentos artefactos elaborados em pedra, argila, marfim e, inclusive, ouro, procedentes de quase 30 Museus de Espanha e Portugal. Nunca anteriormente arqueólogos de distintas partes da Europa tinham partilhado reflexões sobre o valor social das figuras humanas em todo o território europeu, suas funcionalidades, cronologias e especializações identitárias. Um volume em língua espanhola, o livro editado pela Imprensa Nacional em língua portuguesa e os dois volumes que compõem o monográfico Mobile images of ancestral bodies: a millennium‐long perspective from Iberia to Europe, editado em inglês pela revista Zona Arqueológica do Museu Arqueológico Regional de Madrid, constituem um dos esforços mais notáveis para projetar o património arqueológico da Pré‐história recente na Península Ibérica.
Apresentada no Museu Arqueológico de Alicante, no Museu Arqueológico de Madrid e no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, a exposição teve como um dos seus objetivos a publicação de um Guia em cada Museu e um volume com o estado do conhecimento sobre estas figurinhas que constituem um legado excecional do Neolítico e Calcolítico na Europa. Em Portugal, a Imprensa Nacional publicou um magnífico catálogo que permite acompanhar a apresentação da exposição que ocorreu em Lisboa desde abril a outubro de 2021.
A exposição encerra pois em Lisboa com a publicação de um livro único e espetacular na forma e no conteúdo. 357 páginas de excelente qualidade gráfica que refletem o compromisso dos investigadores portugueses, o seu intenso trabalho e os resultados atingidos que, em conjunto com os coordenadores científicos, materializam o papel da Arqueologia portuguesa como referência iniludível do esplendor do megalitismo e do conjunto de produtos culturais e sociais dos grupos humanos que erigiram estes monumentos constituídos por grandes pedras.
O estudo de coleções contou com a participação de investigadoras e investigadores, em paridade, e do mesmo modo a Direção dos Museus. Esta forma de trabalhar partiu da convicção de todas as equipas que colaboraram nesta grande iniciativa cultural e científica. A ciência deve ser um reflexo da sociedade que a produz e é para nós uma satisfação ter alcançando uma representação justa e fraterna que afirma a Ciência, como o conjunto da sociedade, que se funda em todas as pessoas que nela trabalharam, cada um na sua área, e que conjuntamente são indispensáveis para a realização de uma exposição com esta importância.
O livro Ídolos. Olhares milenares. O Estado da Arte em Portugal reúne todos esses valores. Os Coordenadores Científicos do volume partem do princípio de que um conhecimento livre é um conhecimento diverso, que deixa a porta aberta a múltiplas versões historiográficas e metodológicas para interpretar um aspeto essencial das origens das sociedades do passado como é a reinterpretação dos nossos próprios corpos. A codificação que revelam estas figurinhas, a variedade de fórmulas identitárias, o amplo espectro cronológico, o seu florescimento associado às grandes arquiteturas megalíticas e todas as suas expressões culturais constituem facetas complexas em si mesmas. Esta riqueza não tem comparação no contexto do megalitismo europeu, tornando a Ibéria singular e propondo um ponto de partida inovador quando observado em conjunto. O papel do atual território português na gestão de conectividades nas manifestações do mundo dos mortos e na organização da vida quotidiana, tem sido sempre uma referência para o estudo do megalitismo ibérico, e agora uma convincente série de evidências científicas que situam o sudoeste ibérico como uma das áreas mais dinâmicas em toda a Europa entre o IV e III milénio, precisamente o momento de maior expansão das figurinhas que constituem o objeto desta exposição.
O guia da exposição de Lisboa e o volume Ídolos. Olhares milenares. O Estado da Arte em Portugal, reúnem e representam o conhecimento que se manterá para o futuro, prova deste grande esforço. O papel protagonista da Imprensa Nacional trouxe a qualidade e a solidez editorial, como demonstra a sua ampla experiência na edição relacionada com o Património Cultural e os Museus em Portugal. São muitas as pessoas que colaboraram para que este volume fosse editado atempadamente, tanto da Imprensa Nacional, graças à decisão do Diretor Duarte Azinheira, como no Museu Nacional de Arqueologia, onde o seu Diretor, António Carvalho, foi o motor e o garante permanente do êxito deste trabalho coletivo.
Ídolos Miradas Milenarias/Ídolos. Olhares Milenares é um olhar para o passado que se converteu num relance para um presente que se apresenta incerto e para um futuro que nos parece melhor por termos sido capazes de chegar até aqui. Abrir novos caminhos para a investigação, enaltecendo o nosso património e divulgá‐lo ao público tem sido uma honra e um privilégio por podermos partilhá‐lo colaborativamente com mais de 200 profissionais da Cultura.
Os Comissários Científicos da Exposição, autores dos Guias e Catálogos de Alicante, Madrid e Lisboa e editores e coordenadores científicos dos três volumes publicados, com o apoio generoso de quase 70 colegas de distintas Universidades e instituições europeias, só podem expressar um agradecimento infinito e uma felicitação a cada uma das pessoas que trabalharam duramente para chegar até aqui e às nossas autoridades políticas, por haverem reunido vontades e apoios económicos. Igualmente o nosso agradecimento é devido a cada cidadã e cidadão que se emocionou com estes pequenos corpos cujos olhos nos trazem a força visual de um passado que nos orgulhamos de partilhar.
Madrid‐Alicante, 30 de outubro de 2021.
Os Comissários Científicos,
Primitiva Bueno Ramírez e Jorge A. Soler Díaz