Entrevista a Vasco Graça Moura

  • Referência
    «Vasco da Graça Moura. 'A Imprensa Nacional não tem razão de queixa do poder'», O Tempo, de 11 de fevereiro de 1982, pp. 4-5.
Assunto

Entrevista a Vasco Graça Moura, focando a sua estratégia editorial.

Ficha

«Licenciado em Direito, poeta e crítico literário nas escassas horas disponíveis, Vasco Graça Moura tem-se revelado, de 1979 para cá, o homem certo à testa das atividades editoriais da Imprensa Nacional, imprimindo aos lançamentos daquela empresa o cunho de uma experiência forjada ao longo de um bom par de anos nas lides literárias. Ao seu empenho pessoal se deve, por exemplo, a notável ‘Biblioteca de Autores Portugueses’ (que já divulgou as líricas de Camões e a obra completa de Eugénio de Andrade) e um punhado de novas iniciativas, das quais se destaca a coleção ‘Plural’, destinada a acolher mensalmente a novíssima escrita.
Qual o segredo deste dinamismo que se instalou em bases fixas, na IN? Segundo Graça Moura, ele deve-se, em boa parte, ao apoio concedido pelos sucessivos Governos. E acentua: ‘A Imprensa Nacional não tem qualquer razão de queixa do Poder’.

‘TEMPO’ — Uma pergunta de caráter geral: qual é a filosofia que preside à sua ação aqui na Imprensa Nacional?
VASCO GRAÇA MOURA — A sua pergunta pode ser encarada de muitos ângulos. No fundo, não é tanto uma filosofia como uma série de princípios práticos de uma ação que visa por um lado colmatar diversas lacunas que me parecem existir no setor da cultura (nomeadamente na parte da cultura em que o livro é um veículo de bastante importância) e, por outro lado, corresponder a certas tradições antigas desta empresa. Quero com isto dizer que esta casa é muito antiga, com duzentos e tal anos de existência, que teve no setor editorial um papel muito importante — mas também que foi caracterizada por um certo pendor erudito, voltado para a edição de textos de difícil acesso e também não muito suscetíveis de difusão pelo grande público. No entanto, ainda podia dar-se a esse luxo (algo lento, aliás), nas circunstâncias em que o país vivia anteriormente. Isto era, até 1972, um serviço do Estado. A partir de 1972, tornou-se empresa pública. Aí, o Ruben A. Leitão, que foi o meu antecessor neste cargo, já procurou dar uma volta importante, promovendo edições que, se por um lado mantinham uma ligação com aspetos eruditos, por outro lado, já eram suscetíveis de interessar ao grande público — e há uma série de edições, lançadas a partir deste ano, que conseguem de alguma maneira corresponder a esses princípios.
Simplesmente, em 1979, o setor editorial estava bastante apagado, porque a velocidade de escoamento das obras era extremamente lenta: havia obras que demoravam sete, oito anos, para serem vendidas. É evidente que nenhuma entidade pode aguentar-se a editar livros que levam esse tempo a escoar.
No aspeto prático, a filosofia que se vive é a de tentar que certas obras tenham uma rotação de ‘stock’ muito mais rápido, e que permita manter, por outro lado, a edição de textos de cunho mais difícil, mas de maior relevância.
As novas condições para uma política cultural na sociedade portuguesa tornam possível interessar largas camadas de pessoas no nosso trabalho editorial. Por esse motivo, as edições que nós fazemos procuram fugir a uma preocupação excessivamente especializada, embora por vezes não a recusem. Procuram fornecer, na medida do possível, instrumentos úteis de enquadramento da obra que se apresenta e procuram também articular-se no plano cultural com preocupações e iniciativas de outras entidades públicas e privadas.
[…]
‘T’— Mas não se estará a entrar num campo concorrencial com outras editoras? O que é que elas pensam disto?
V. G. M. — Isso é uma acusação que algumas editoras nos fizeram, a meu ver, sem grande justiça. É evidente que nós fomos sempre editores. E sempre que editamos livros, é com a preocupação de os vender. E se é com a preocupação de os vender, é com a noção de que fazemos concorrência. Não podemos editar ‘a fundo perdido’ — há regras e gestão para as empresas públicas… Só que essa concorrência não é de molde a prejudicar o negócio dos outros editores: é uma concorrência que apesar de tudo procura evitar obras ou autores que se encontram no mercado (a não ser que essas edições sejam muito más), que respeita intransigentemente os contratos que os autores vivos tenham com as suas editoras (quando porventura publicamos um livro de um autor que tenha grande projeção é numa área em que ele está livre perante a sua editora para nos confiar a obra). […]
Agora no sentido em que a nossa atuação procura mostrar que se pode editar um conjunto de obras que, na sua grande maioria, são de grande importância para a cultura portuguesa (e obras muitas vezes desconhecidas ou recuperadas), nesse sentido creio que é uma concorrência saudável, que pode estimular muita outra gente a lançar-se em iniciativas semelhantes. […]»