Ficha
«- Como te chamas?
– Manuel Carlos Santos Vidal.
– Quantos anos tens?
– 15.
– Porque é que te inscreveste neste curso?
– Para ganhar dinheiro. Estava a estudar à noite, de dia não fazia nada e resolvi trabalhar para ajudar o meu pai.
– Mas gostas de trabalhar em tipografias?
– Muito.
– O curso é difícil?
– Não.
Numa oficina muito bem arrumada, ali à Imprensa Nacional (rua da Escola Politécnica), duas dezenas de rapazes trabalhavam cuidadosamente “à caixa” (compondo textos em letras tipográficas que manejavam, uma a uma, formando as palavras e as frases). Pertenciam ao curso experimental de artes gráficas, instituído de se recriar o o gosto por uma profissão da maior importância – mesmo perante as transformações tecnológicas surgidas neste domínio. O ambiente era de disciplina: silêncio, aplicação, gosto pelo trabalho que cada um estava a executar.
Entrevistámos outro aluno:
– Como te chamas?
– José António Martins.
– Quantos anos tens?
– 15.
– Porque escolheste este curso?
– Porque o meu pai é cá tipógrafo.
– Estudas à noite?
– Estudo.
– Onde?
– No externato Bocage.
A visita era acompanhada pelo diretor do curso, dr. Guilhermino Pires, que nos disse:
– Procurámos criar um curso técnico que fosse complementar do ensino médio. Por isso, a par do trabalho da oficina, os nossos alunos têm aulas de Francês, Tecnologia, Física Laboratorial, Físico Químicas, desenho, Matemática, História e Geografia, Língua Pátria. Isto no primeiro ano. No segundo, em vez de Francês, haverá Inglês e, em vez de Português e História, daremos História de expressão gráfica das artes.
[…]
Perguntámos ao dr. Guilhermino Pires:
– Quanto recebe cada aluno?
– 40 escudos por dia.
– Estamos, então, perante o princípio segundo o qual os estudantes devem receber salários?
– Não é bem isso, disse-nos. Entendemos que os cursos técnicos devem ser remunerados, ao contrário dos cursos científicos. O estudante de cursos técnicos deve ser pago, para permitir a subsistência do aluno e o seu melhor rendimento. Equivale, enfim, a uma bolsa de estudo.
– E os alunos assinaram algum contrato com a Imprensa Nacional? – inquirimos.
– Não. Em alguns países, como na Holanda, os alunos nestas condições assinam um contrato de prestação de serviços durante três anos à empresa que lhes ministra os cursos. Aqui recusamo-nos a seguir esse método. Estamos confiados na mística tradicional da Imprensa Nacional, segundo a qual o ensino chega, em muitos casos, a transmitir-se de pais para filhos. Esperamos que quantos aqui aprendem fiquem vinculados à instituição que os acolheu.
A Imprensa Nacional é uma das instituições de maior tradição no campo das artes gráficas em Portugal. A sua reforma do ensino da composição tipográfica data de 1844 […].
O dr. Guilhermino Pires acompanhou-nos, depois, numa visita às instalações da Imprensa Nacional, mostrando-nos especialmente a secção de gravura onde se confecionam as letras-tipo.
– Esperamos atingir a maior perfeição neste domínio, disse-nos – para impedir a importação de tipos. Pensamos conseguir, brevemente, um nível europeu.
Sob nova administração, transformada em empresa pública, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda preocupa-se com o campo do ensino. Eis uma iniciativa útil, particularmente quando visa a valorização do operário português por meio dos mais modernos métodos de ensino e, até, através do interessante princípio do pagamento do trabalho escolar.»