Crónica sobre a Exposição Nacional das Artes Gráficas.

  • Referência
    SOUSA, Ricardo de, «Uma visita à Exposição Nacional das Artes Gráficas», O Occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro, n.º 1253, de 20 de outubro de 1913, pp. 323-324.
Assunto

Crónica sobre a Exposição Nacional das Artes Gráficas, promovida pela Imprensa Nacional.

Ficha

«Muito antes de abrir a Exposição Nacional das Artes Gráficas, já se dizia por aí à boca pequena, cochichando pelos cantos das oficinas, ou nos centros mais concorridos pelas sumidades gráficas, que a exposição redundaria num fiasco monumental, porque a grafia portuguesa nada tinha a apresentar ao público, e até, que a maioria das casas não concorreriam com os seus trabalhos.
Pois confesso-o aqui, sem receios nem tibiezas que, se não fui dos que disse mal, fui contudo um dos que acreditou em parte no que se dizia.
Por isso, mal abriu a Exposição, cheio de curiosidade e armado de um sorrisinho mefistofélico, fui-me até lá.
Fiquei simplesmente embasbacado!
A Exposição não era nada do que eu supunha!
Parecia que a varinha mágica de alguma encantadora fada, tinha transformado aquelas sete salas da Exposição, nas salas onde viviam a Arte e o Bom gosto.
A luz entrava a jorro pelas amplas janelas, iluminando nitidamente os quadros expostos e a vista inebriava-se com a profusão dos objetos que admirava.
É que, se não houve a varinha mágica da encantadora fada, houve a tenacidade e o desejo ardente do Sr. Luís Derouet, digníssimo administrador da Imprensa Nacional de Lisboa, que arcando com a enorme responsabilidade de um certame desta ordem, não se poupou a sacrifícios para levar a cabo a difícil empresa em que se tinha metido.
Mas Luís Derouet deve estar satisfeito por ver coroados os seus esforços, pois a Exposição, a primeira que se faz no país neste género, tem o mago condão, de não só interessar os profissionais, como também aqueles que desconheçam por completo as artes gráficas.
Aqui deixamos também consignado o nosso louvor a Gregório Fernandes, o inteligente chefe das oficinas da Imprensa Nacional, que muito ajudou e trabalhou para que a Exposição alcançasse o esplendor que toda a gente lhe nota.
[…]
Os indivíduos com quem tenho falado sobre o assunto, notam não estar tudo aquilo dividido por secções, encontrando-se tipograficamente falando, tudo empastelado, isto é, a tipografia junta com a litografia, com a encadernação, com a estereotipia, etc., mas disso não tem culpa nem quem organizou a Exposição, nem quem enfeitou as salas.
A culpa é simplesmente dos senhores expositores, em estarem guardando para a última hora o envio dos seus trabalhos, ‘entalando’ assim quem presidia à arrumação dos produtos.
[…]
E, com franqueza, foi pena que tal sucedesse, pois estando tudo dividido por secções, não só melhor se poderia analisar as diferentes especialidades, como também o júri, se não veria tão embaraçado para a classificação dos prémios.
Não podendo tratar aqui, detalhadamente, de cada um dos 139 expositores, porque isso encheria muitas colunas desta ilustração e o espaço de que disponho é exíguo, tratarei apenas de alguns que mais se salientam com os seus trabalhos.
Logo à entrada, antes de subir a escada que dá para os andares superiores, voltando ao lado direito, encontra-se a instalação da Casa da Moeda, muito bem representada com selos, notas do Banco, galvanos diferentes, etc., tudo muito bem gravado, e sobretudo muito bem disposto.
Nesta secção também a Imprensa Nacional se faz representar em cunhos e outros trabalhos de grande precisão e nitidez de relevo.
Passando à sala seguinte, vê-se ao fundo uma montanha enorme de papel de impressão, em resmas, bobines de papel para jornais, redes para a impressão a água, etc., pertencente à Companhia do Papel do Prado, expondo, além disto, e, pastas lindamente executadas, amostras do papel por ela fabricado.
Também é digna de nota a exposição que o Século faz, pela variedade das suas obras, Ilustração, matrizes, clichés de algumas páginas do jornal, as quais, para os profanos da arte, é de uma confusão imensa.
É aqui também que a Editora apresenta as suas belas encadernações, e, apesar de não serem modernas, formam um conjunto muito agradável.
Voltando depois ao primitivo sítio e entrando para o lado esquerdo, estamos na secção fotográfica, admiravelmente representada pelas casas Augusto Rato, A. Franco, D. Alvão do Porto, Bitard e outras que é impossível enumerar e cujos trabalhos são tão nítidos, tão impressionantes, tão belos, que não sabemos dizer qual deles seja o melhor.
Principalmente os trabalhos de Benoliel, o repórter fotográfico do Século, tem instantâneos admiráveis, sendo digno de nota pela sua originalidade, ‘A festa da bandeira’.
Subindo ao primeiro pavimento, encontra-se logo uma grande sala onde estão trabalhos de verdadeiro merecimento artístico, salientando-se dois enormes quadros do Anuário Comercial, outros de Pires Marinho, outros de Paulino Ferreira que é sem dúvida uma das primeiras oficinas de encadernação do país, outros de Libânio da Silva, enfim tantos e tantos, que a gente não sabe em qual deve fixar mais a nossa atenção.
Deixando este pavimento e subindo uma pequena escada, temos logo na nossa frente outra sala onde Cândido da Costa, fabricante de tintas de impressão, expõe os seus produtos, que todo o mundo tipográfico conhece de há muito, e por conseguinte não precisa de maior referência.
É nesta sala que está o ‘clou’ da exposição. Um ‘amor-perfeito’ executado a vinhetas de corpo três, distribuídas por onze formas, que tantas são as cores de que se compõe a flor depois de impressa.
Conquanto não seja novidade entre nós trabalhos deste género, é digno de admirar-se pela paciência verdadeiramente ‘chinesa’ que o artista, o Sr. Amoedo, tipógrafo da Nacional [sic], teve para levar a cabo a sua obra.
[…]
Deixando esta sala e entrando na outra do lado, vê-se ao fundo, num pequeno quadro, o estudo sobre uma pinha, que o Sr. A. de Azevedo teve a habilidade de transformar em desenho de vinhetas de combinação muito interessante.
É nesta casa também que Roque Gameiro expõe os seus bilhetes postais, em aguarelas de um colorido e de um desenho corretíssimos, cheios de luz e de vida […].
Apesar de tudo, nota-se em toda a Exposição que a parte propriamente tipográfica está pobre e completamente ofuscada pela litografia que se apresenta variadíssima, em cartazes, etiquetas, rótulos, trabalhos comerciais, etc., etc.
Só a Litografia Portugal apresenta nada menos de 42 cartazes diferentes, pois sendo uma das principais casas no género, quis mostrar com esta exibição quanto adiantado está este ramo entre nós.
A Editora, na parte litográfica, também se apresenta com trabalhos de grande valor artístico, não ficando atrás do que se executa lá fora, no estrangeiro.
Em todas as secções, ou melhor dizendo, em todas as salas, a Imprensa Nacional tem espalhados os seus trabalhos de tipografia, litografia, galvanoplastia, fundição, etc., mas a maioria deles não são modernos.
E é para lamentar, porque a Imprensa tem um grupo de artistas que decerto se salientaria, numa exposição desta ordem.»

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