Representação Perante o Tribunal do Santo Ofício

Padre António Vieira

Conheço que a dita matéria é extraordinária e exquisita. Mas também se não pode negar que é muito cristã e muito pia, de grande glória de Deus, exaltação da fé, dilatação da Igreja, salvação das almas, bem universal do género humano, honra de Cristo e dos merecimentos de seu sangue, e digna, por todas suas circunstâncias, de que viesse ao pensamento a esperança e empresa dela a um Religioso que, por profissão de seu hábito e por voto especial próprio, e ultimamente por aplicação e exercício de toda a vida, se tinha dedicado ao ministério da salvação e conversão das almas, e depois de ter disputado em toda a Europa contra Hereges, Ateus e Judeus (sempre, pela graça divina, com manifesta vitória da fé) tinha gastado, na América, dez anos em reduzir a ela muitos milhares de Gentios, e actualmente estava desterrado neste reino por defender a mesma causa. Só tinha de humano o dito assunto, sendo todo sagrado e divino, dizer-se que o instrumento principal dele para a conquista e dominação temporal é ou havia de ser Príncipe Português. Mas, se nesta aplicação me enganou (como a muitos outros) o amor e piedade da Pátria, causas habet error honestas.