Deixo muitos livros a meio. Corrijo: deixo muitos livros no começo. Alguns — poucos, confesso — com uma vontade enorme de os dar para reciclagem, tal a desilusão.
(Comprei no Brasil há uns meses uma história na primeira pessoa de uma senhora que tinha desenvolvido um problema médico — não podia apanhar sol. Confinada a sua casa, pensei, «que grande livro se consegue escrever!». Errado: que grande livro se conseguiria ter escrito. Não digo qual é apenas porque já está no armazém.) Deixo alguns a meio, também. Porque outros se meteram entretanto, porque percebi a dinâmica da coisa, porque já entendi para onde vai e não me apetece ir com ele. Almada lamentava-se de não poder ler os livros todos da biblioteca. Eu apenas lamento perder tempo com alguns.
Por isso mesmo, o melhor elogio que tenho para um livro é o verbo «continuar». Qualquer livro que me faça continuar é um bom livro. Que me leve até ao fim porque se juntou a minha fome no tema ou no estilo com a vontade das páginas me comerem os olhos e o sono.
Há umas semanas recebi da Guerra & Paz um que me permite esse verbo. Não falo dos objetos que o Manuel Fonseca faz, que são para ler enquanto se beberica uma «flauta» de champanhe, tal a sapiência com que os executa. Falo de Os Filhos dos Nazis, de Tania Crasnianski.
A literatura sobre a II Grande Guerra é mais do que muita. Almada também se lamentaria de não ter tempo para a ler toda. E muita dela lamentavelmente fraca. Porque escrita com intuitos meramente comerciais, juntando teorias esparsas em livros estranhos (Grey Wolf, por exemplo, que coloco na estante junto com O Homem que Mordeu o Cão) ou porque sem qualquer investigação que a sustente. Crasnianski, até à página 48, não faz nenhuns desses erros. E, tenho a certeza, depois da 48 também não. Mas, aí está, tenho de continuar. Com a felicidade de saber que tenho um bom livro para ler.
É a história do nome. A história do peso da História que cada um de nós carrega. Neste caso — tão duro — a daqueles que levam o nome de assassinos com eles. E, mais interessante, dando conta de como alguns deles (veja-se a filha de Himmler, por exemplo) abraçam ainda hoje o pai e as suas teorias. Sempre tive fascínio pela silenciosa — de tão superficial — «desnazificação» alemã. Tenho pena de não saber alemão para investigar para onde foram os quadros médios do regime que a ele sobreviveram. Este livro dá-me um pequeno relance desse projeto, somado ainda para mais com a questão filial, que tanto me agrada. Obrigado, Manuel, por o teres trazido para português.
Os Filhos dos Nazis de Tania Crasnianski
com tradução a partir do original francês de Nuno Costa Santos e Rui Lopo.
Publicado em novembro de 2016 pela Guerra & Paz,
depois de impresso nas oficinas gráficas da Publito, em Braga.