Há livros que perdemos e ganhamos simultaneamente. Este enche-me de pena e felicidade.
Conheci a poesia de António Reis (e a de Santos Barros, já agora) quando fiz, com o Rui Lage, a antologia Poemas Portugueses. O ano talvez fosse o de 2006 ou 2007. Estes dois poetas encheram-me as medidas. E cheguei a falar com a herdeira do Santos Barros para o fazer nas Quasi. Infelizmente, o fecho da editora impossibilitou este desejo (entre tantos outros…). Na Babel, não consegui fazer muito. Era outra a minha função mas, ainda assim, editei o Ferreira Gullar, o Paulo Henriques Britto, o Mourão-Ferreira, entre outros. Quando criei a Glaciar, a ideia lírica de apostar na poesia teve de ser substituída pela realidade. Mas a Imprensa Nacional, pouco tempo depois, possibilitou-me de uma forma única continuar a fazer o que tanto gosto, convidando-me para dirigir a coleção «Plural». E ainda continua.
António Reis estava previsto para 2018 ou 2019. Felizmente, o conceito de edição supletiva da Imprensa Nacional é aqui bem exemplificado: antes, a edição comercial funcionou e a Imprensa não foi necessária. Isso deixa-me feliz. Como me deixa feliz ver o livro a ser editado. Só fico triste por não ter sido eu a editá-lo. Foi o Pedro Mexia. Pelo menos, foi editado pela mão de um amigo.
A poesia do António Reis é a poesia do quotidiano por excelência. Notem a frase, que costuma ser adágio sem pensar no que se diz: «por excelência». Não só como exemplo final, mas também por ser excelente. É uma poesia feita de pequenas pulsões, frases curtas que nos fazem imaginar cada verso, entre as montras, as fábricas, os passeios e o Sol: «Poemas quotidianos // como o Sol / como a noite // como a vontade de comer / e o sono // como as preocupações / e o amor // porque saio á rua / e trabalho / diàriamente». A arte poética de António Reis toda num só pequeno e grande poema.
Mas não serei eu a analisá-la. Para tal, leia-se o excelente prefácio de Fernando J. B. Martinho ou, para conhecermos melhor o autor na sua outra e mais conhecida ocupação de realizador, o posfácio de Joaquim Sapinho. Se quisermos saber ainda mais, procurem a primeira edição desta «obra completa» (100 poemas, tão-só), editada em 1967 e introduzida por Eduardo Prado Coelho. Mas se quiserem fruir em cada verso, há esta edição da Tinta-da-China, maravilhosa, como são as edições da Tinta-da-China. Note-se o cuidado: o «à» em «diàriamente»; a foto do autor na última página. São pormenores, sim. Mas é com eles que se constroem livros perfeitos.
António Reis está publicado. O Santos Barros sai este ano na Imprensa Nacional, organizado por mim. Com uma enorme quantidade de inéditos e a reedição de todos os seus livros. E um prefácio de António Lobo Antunes. Digo-o porque acabei por ser eu, com os Poemas Portugueses, a apresentar a poesia de António Reis a este outro António. Será um prazer enorme oferecer-lhe este livro.
Obrigado, Pedro. E raios te partam, claro.
Poemas Quotidianos de António Reis, com prefácio de Fernando J. B. Martinho e posfácio de Joaquim Sapinho.
Publicado em junho de 2017 pela Tinta-da-China, depois de impresso nas oficinas gráficas da Rainho & Neves.