Poeta e prosador, David Bene escreve para diversos jornais e revistas literárias em Moçambique, Brasil, Portugal, Galiza e Japão. É licenciado em Geologia pela Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), Mestre em Geologia Económica pela Universidade de Akita (Japão) e doutorando em Engenharia de Recursos Minerais na Universidade de Kyushu, também no Japão, o país onde reside atualmente.
Foi, por unanimidade do júri, o vencedor do Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura, em 2021, pelo seu trabalho O Vazio de Um Céu sem Hinos, selecionado por entre uma centena de candidaturas.
A inspiração vai encontrá-la em tudo que é corpo e espaço e em tudo aquilo que não cabe no verbo. E não foi um livro que o fez escritor, foram os compositores zimbabweanos.
David Bene nasceu, em 1993, na cidade de Manica, em Moçambique, um ano após a assinatura dos Acordos de Roma. Mas a guerra não terminou com a assinatura dos acordos de paz, conta-nos. «A guerra tornou-se individual. Silenciosa».
A sua relação com Portugal é orgânica, muito por causa da língua. «Portugal, como espaço ou lugar, no meu subconsciente, vem inteiramente da fotografia dos escritores que cresci a ler e de alguns amigos mais próximos».
Entrevista a David Bene.
2021 foi um grande ano para os autores moçambicanos. Paulina Chiziane venceu o Prémio Camões e David Bene, o Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura. Crê que esta é a prova da vitalidade da língua portuguesa em Moçambique?
Moçambique é um país vasto e tem produzido vários escritores que sempre escreveram em português. A maioria deles (talvez os maiores) não recebeu nenhum prémio pelo seu trabalho, e isso só mostra que a literatura é maior que qualquer prémio. O facto destes nunca terem recebido prémios não lhes tira o mérito de serem a força que vitalizou a língua portuguesa em Moçambique. Os prémios não são um termómetro da vitalidade da língua. São apenas acidentes ao longo do caminho, como diria Mbate Pedro. Eles são uma oportunidade para quem os vence, mas não são a garantia de que a sua literatura perdura. Penso que a política de unidade nacional, instaurada logo após a independência, contribuiu significativamente para a relegação das línguas bantu para o segundo plano. Lembro-me, quando era criança, de que o miúdo que se expressasse em Cimanyika, entre amigos no bairro ou na escola, era marginalizado. Neste ambiente, era de esperar que surgissem escritores que naturalmente veriam o português como a língua do seu ofício.
A Imprensa Nacional tem também instituído o Prémio Eugénio Lisboa, que premeia trabalhos em prosa de autores moçambicanos. Esta é uma boa forma de incentivar a criatividade moçambicana? E, a seu ver, que outras formas há?
Com certeza. É meio caminho andado, mas ainda estamos muito longe do desejado. Penso que é preciso melhorar/criar os sistemas de circulação de livros e seus respectivos autores no espaço lusófono; potencializar as pequenas editoras, que têm publicado a maior parte dos jovens autores; consolidar e estimular actores imprescindíveis no ciclo literário, como é o caso do crítico literário que, ao meu ver, não existe em Moçambique; promover residências literárias na CPLP, com vista a introduzir ao escritor novas realidades. Isto não se materializa apenas com escritores, precisamos de ter políticos que pensem seriamente a longo prazo porque o investimento em livros e no incentivo à criatividade literária não deve ser pensado como algo imediato, o que muitas vezes os decisores políticos (pelo menos no meu país) não parecem compreender.
Como teve conhecimento do Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura?
Presumo que Mélio Tinga teve uma mão nisso.
E como recebeu a notícia de que era o vencedor da 7.ª edição do Prémio Imprensa Nacional/Vasco Graça Moura? Qual foi a sua reação?
A primeira coisa que faço ao acordar é verificar o meu correio eletrónico. Na manhã do dia 16 de Dezembro, encontrei uma mensagem do porta-voz do júri, Pedro Mexia, a informar-me sobre o sucedido. Depois disso, não me lembro do resto. Os amigos mais próximos dizem que foi um bom dia.
Conhece a obra e a figura de Vasco Graça-Moura?
Conheço-o como um exímio poeta. Quanto ao resto, sei muito pouco e faz sentido!
Qual a sua relação com Portugal?
A minha relação com Portugal é orgânica, muito por causa da língua. Portugal, como espaço ou lugar, no meu subconsciente, vem inteiramente da fotografia dos escritores que cresci a ler e de alguns amigos mais próximos.
Que importância tem para si publicar na Imprensa Nacional?
A Imprensa Nacional, com mais de 250 anos de história, é uma das mais importantes editoras no espaço lusófono. A editora oferece o que é quase impossível para jovens escritores como eu: apresentar o seu trabalho a um público maior. Creio que esta oportunidade é um trampolim para que mais pessoas, especialmente as que estão no exterior, conheçam o meu trabalho, mas acima de tudo, para que compreendam este movimento recente de jovens escritores que tem despontado nos últimos tempos em Moçambique e não só.
Concorreu com o pseudónimo Tonderai Tafirenyika. Que significado tem este pseudónimo?
Eu tenho sérios problemas com a questão dos nomes. Imagino que significam pouco. Limitam o objecto de ser o que se é. Talvez o nome seja a maior mentira da história da humanidade. Tonderai e Tafirenyika aparentam ser pessoas que me são próximas e que fazem parte da minha infância. Quando agrupados, sugerem significar, embora eu não acredite, o seguinte: «Lembrai-vos de que morremos pela pátria».
Como começou a sua aventura literária? Primeiro a leitura, depois a escrita, suponho…
Não foi um livro que me fez escritor. Os compositores zimbabweanos o fizeram. O meu pai tinha um bar no Agricom, situado a alguns minutos da fronteira com o Zimbabwe. Não havia sequer uma biblioteca naquelas bandas. A maior parte das pessoas que lá viviam trabalhavam no Zimbabwe, nas grandes farmas dos bueiros. E aos fins de semana, vinham gastar os dólares no bar do meu pai. Handei kuMozambique, kana kurara padhiretori, cantavam imitando uns dos bass solos do lendário Alick Macheso. Como é sabido, o sucesso nesse tipo de negócios só existe quando se tem a melhor discografia. O meu pai tinha os melhores projectos discográficos das últimas três décadas e actualizava a sua coleção com uma regularidade assustadora. Eu era obcecado naquilo. Conheci tudo o que se podia conhecer. Havia uma cena que me tirava do sério naqueles compositores. A acutilância das metáforas, o tratamento da palavra e, acima de tudo, aquela música estava assente numa tradição que me identificava. Não se pode falar de mim sem trazer à superfície Leonard «Musoro We Nyoka» Dembo, Leonard «Karikoga» Zhakata, Simon «Chopper» Chimbetu, Thomas Tafirenyika Mapfumo, Oliver Mtukudzi, Jonah Moyo, James Chimombe, Paul Matavire, Hosiah Chipanga, Mark Sibanda, Safirio Madzikatire, System e Peter Tazvida, Andy Brown, Chiwoniso Maraire, Steve Makoni, John Chibadura e outros. Associado a isso, o meu pai é um excelente contador de estórias. Lembro-me de que os primeiros contos que escrevi, ainda na escola primária, eram adaptações de estórias por ele contadas.
Depois veio a leitura, obviamente. Já tínhamos voltado à cidade de Manica e tínhamos poucos livros à nossa disposição nalgumas bibliotecas, mas o essencial estava lá: José Craveirinha, Rui Knopfli, Eduardo White, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Suleiman Cassamo, Lília Momplé, Paulina Chiziane, Albino Magaia, Calane da Silva, entre outros. Tive a sorte de ler a maior parte dos clássicos da literatura moçambicana ainda na secundária. Kuchata kwezvimwe, kunaka kwezvimwe. Isso deu-me a possibilidade de me concentrar na nova geração de escritores na minha vida adulta. Interessava-me o distanciamento daquela poesia panfletária que tanto detestava, mas a música continuou sendo essencial para o meu crescimento na escrita.
No seu trabalho começa por citar Wallace Stevens. O que mais aprecia na obra deste autor?
Wallace Stevens é um dos poetas e pensadores pouco explorados da Lusofonia, talvez devido à sua extrema complexidade temática e técnica, uma particularidade que sempre me chamou a atenção. Aprecio a obscuridade, o rigor estético e o conteúdo filosófico na sua obra e, sobretudo, a forma genial como conseguiu fundir a conhecida imaginação suprema criativa e a realidade objetiva.
«A poesia Mais do que a música há de ocupar O vazio de um céu sem hinos». A poesia pertence mesmo a esse lugar do sagrado?
Umas vezes sim, outras não. Depende de quem a escreve e de quem a lê. Não é só da matança que vive a faca, pois não?
Consegue definir a sua própria poesia? Se sim, como a define?
Já é difícil definir a poesia, definir «a minha poesia» torna-se impossível. Tenho parâmetros, ideias claras, caminhos que prefiro e outros que me traumatizam, forma e referências difusas que experimento no meu processo criativo. Penso que a definição, no sentido literal, da minha poesia é muito mais complexa do que imagino.
A poesia ainda é o lugar onde tudo pode ser dito?
A poesia é o lugar onde tudo pode ser sentido. E dito, dependendo de quem a escreve.
A seu ver, para onde caminha a poesia contemporânea moçambicana?
Para algum lugar que ainda não tem nome, corpo ou endereço. Visualizo-o como espaço de esperança e possibilidade. Uma doca de rupturas cujos faróis cintilam desde que me conheço como gente. Um lugar onde ainda se pode sonhar. Uma chama que arde ao ar livre, apesar dos ventos fortes. Uma areia permeável por onde percolam o passado e o futuro na mesma contemporaneidade.
Que poetas moçambicanos atuais aprecia?
Aprecio o trabalho da Hirondina Joshua. Penso que ela é o Halley da poesia contemporânea moçambicana. O seu trabalho é translúcido e cristalino ao mesmo tempo. Não se polui com a poesia panfletária do século passado e muito menos mostra o género das coisas.
Se o David tivesse de escolher hoje o poeta e o poema da sua vida, quais seriam?
Que pergunta difícil! Hoje, escolheria um dos seguintes poetas: T.S. Eliot, Fernando Pessoa e Christopher Okigbo. Quanto ao poema, encontro-me na corda bamba: «The Waste Land» de T.S. Eliot; «Tabacaria» de Fernando Pessoa ou «Heavensgate» de Christopher Okigbo? O leitor está livre de escolher qualquer um deles e eu estarei satisfeito.
Tem escritores de eleição?
Tenho vários, mas tento livrar-me deles o mais depressa possível, embora seja um acto macabro: amputar a sua própria perna. Os escritores de eleição são como o amor da vida. Cega-nos e tira-nos a mais enigmática capacidade de apreciar e experimentar outras realidades.
Hoje, Paul Eluard é o poeta de cabeceira. Amanhã será outro, com certeza. Aprecio a prosa poética de Francis Ponge, talvez pelo facto de eu ser geólogo. Quando leio Ponge, o Professor Daud Jamal, aparece com a mesma frase: «Descreva tudo, mas seja objectivo, David». Gosto de quase todos os modernistas norte-americanos: T.S. Eliot (que se deve ter rido da minha cara quando li Gerontion pela primeira vez), Ezra Pound, William Carlos Williams (sempre me pareceu um anjo), o complicado Hart Crane e os dólares de Wallace Stevens associados à densidade da palavra, certamente. Murilo Mendes e todo o Brasil embrulhado no olhar nostálgico de Roma. Christopher Okigbo, prostrando-se diante da Mãe Idoto. Dambudzo Marechera perambulando no Cemitério Warren Hills. Secção E. Campa número 1237. Yukio Mishima e a barriga escancarada. O diplomata Octavio Paz. O papo recto de Allen Ginsberg, Roberto Piva, Katerina Gogou, Sean Bonney e a incessível máquina que lhe tirou o verbo. Langston Hughes e os «negros» do Harlem Renaissance. Não me façam esquecer da Gwendolyn Brooks, do Etheridge Knight, do Bertolt Brecht que só Celso Muianga conhece onde dorme na Fundação! A África e os seus épicos: The Sunjata epic, The Book of Mwana Kupona e The Story of Miqdad and Mayasa.... Das terras lusas, vêm-me em mente Ruy Belo e Fernando Pessoa: Os mestres que leio com excessiva atenção. A culpa é da Professora Fernanda Angius. E volto à casa nas asas de Luís Carlos Patraquim, Rui Knopfli, Eduardo White, Mbate Pedro e «Maria» de José Craveirinha. Talvez eu ligue ao Dionísio Bahule para passarmos a noite em claro na língua de Kundera. Talvez eu venha a mesclar tudo com Belchior, Bob Dylan e os simbolistas franceses, seus mestres; Leonard Cohen e aquela voz apocalíptica; Albert King e a nostalgia dos vastos campos de algodão de Mississippi; Robert Johnson e o suposto pacto com o diabo. Eu quero voltar à Manica através das radionovelas do kota Madhokonono.
Onde vai encontrar inspiração?
Encontro-a em tudo que é corpo e espaço. E aquilo que não cabe no verbo.
Todos nós desenvolvemos uma relação pessoal com a escrita. O texto, neste caso, os poemas não nascem sem um processo de escrita. Qual é o seu?
O meu poema nasce muito antes da escrita. O processo de escrita é-me secundário. O meu trabalho é gráfico. O poema chega-me como uma fotografia, uma voz, um sonho, uma visão apocalíptica. Da mesma forma que me visita a Stella Chiweshe. A minha escrita é muitas vezes descritiva e menos lancinante. Escrevo porque não sei cantar.
Posso saber quem foi a primeira pessoa a quem deu a ler os seus poemas?
Augusto Bene, meu pai. Ainda me lembro, com muita nostalgia, de uma amiga, Mequilina Seventine, que leu quase tudo o que escrevi na adolescência.
Nasceu na cidade de Manica, em 1993? A guerra civil tinha acabado há pouco. Como recorda a sua infância?
Eu não nasci após a guerra civil. Os meus avós perderam tudo durante a guerra. A terra fértil. O gado. A família. Tornaram-se nómadas. E acabaram por morrer em condições miseráveis no planalto de Nhamukwarara, dez anos antes de eu nascer. «Enterrámos o seu avô debaixo daquela árvore», diz o meu pai sempre que passamos por aquelas bandas. «A tua avó foi enterrada perto da fronteira», continua ele como se fosse obrigado a fazer tal referência. Num desses dias, no final dos anos 70, a minha mãe e familiares, vindos do Zimbabwe, decidiram passar as férias na quinta em Moçambique. Semanas mais tarde, a fronteira foi fechada no decurso da ofensiva de Smith contra as forças moçambicanas, tanzanianas e zimbabweanas. Espero que se lembrem dos massacres de Guindingui e Inhazónia. Mas essa é outra história. A minha mãe e familiares ficaram retidos em Moçambique, onde acabaram por ficar para sempre. Eu sou o resultado disto.
É um facto que nasci em 1993, um ano após a assinatura dos Acordos de Roma. Não podia existir um pior ano para nascer. O ano das incertezas. Estavam todos traumatizados. Ninguém sabia ao certo se a guerra tinha terminado de verdade. As ruas de Chitunga, Mavonde, Mudza, Garudzo ainda estavam assombradas. Engenhos explosivos na floresta. Voltei a encontrá-los décadas mais tarde, mas isso também é outra história. «Esta subida é de Mateni. Atearam fogo a um minibus que saía da Beira. Mataram o motorista e o cobrador», disse o meu pai num desses dias. Luckmore, o meu irmão mais velho, tinha morrido nos braços da Graça, a minha mãe, no mesmo minibus algumas semanas antes desse episódio. A história do minibus queimado é confusa. Não sou a pessoa certa para a contar. A questão aqui é esta: a guerra não terminou com a assinatura dos acordos de paz. A guerra tornou-se individual. Silenciosa. Muitos homens que estavam na guerra, voltaram loucos. Irreconhecíveis. I HAD NOT THOUGHT DEATH HAD UNDONE SO MANY.
Por outro lado, penso que faz sentido ter nascido em 1993. Um poeta deve nascer da incerteza. Do trauma. O filho do homem tem de nascer do inferno de Dante. Nyamatsatse que chega na voz da trombeta não conhece o jovem Tekeshe que se safou da baioneta de Smith porque pintou o corpo com o sangue de um estranho. Não conhece o jovem Madhasana. Não conhece as insónias do velho Marodza que, com a escavadora do Conselho Executivo, enterrou, em doze valas comuns, dezenas de homens caídos em Guindingui. O poeta deve nascer deste manto negro.
A guerra civil ainda está viva. O trauma é real. Os africanos não dão muita importância à saúde mental, mas a maioria dos nossos pais sofre até aos dias de hoje. Não estão prontos para discutir tais experiências. Será que ainda faz sentido dizer que nasci depois da guerra civil? Penso que não. Ainda estamos em guerra. E é quase evidente a influência que a guerra tem no meu trabalho. O Vazio de um Céu sem Hinos pode ser um bom exemplo disso. Talvez não seja exemplo de nada.
O júri referiu a propósito de O Vazio de um Céu sem Hinos que este «procura uma linguagem carregada de sentido, umas vezes impessoal, outras sarcástica, entre a memória desvanecida do sublime e a violência concreta da circunstância e da História». Revê-se nesta descrição?
Achei interessante a nota de leitura que Venâncio Calisto escreveu em setembro de 2021, que abaixo transcrevo, antes da submissão do projeto ao Prémio.
«… os poemas estão muito bem conseguidos, são altamente imagéticos e têm uma musicalidade que lembra um ritual. Sagrado? Diria que é uma oração subversiva, um questionamento ao inquestionável, uma bomba sobre o Vaticano. Gosto da forma inteligente como exibes a tua “alta” cultura, desde a citação de personagens da literatura universal e nacional e eventos históricos. Isso já começa a ser uma marca da tua escrita. A tua voz está cada vez mais cristalina, inconfundível e isso é bom. Também há a exploração da memória vivida, uma espécie de exorcismo de traumas antigos que fazem com que os poemas ganhem uma dimensão autobiográfica muito interessante e cativante. A leitura flui como as águas do Zambeze e no fim do livro resta a sede de voltar a lê-lo. Que mais te posso dizer? O livro é sincero e isso é tudo para que haja poesia. Só me resta ensaiar o festejo porque o prémio já está ganho…».
Vive atualmente no Japão. Como é que isso foi acontecer?
Vim para o Japão, em 2017, com uma bolsa para fazer um mestrado em Geologia Económica na Universidade de Akita. Logo após a graduação, recebi outra bolsa para fazer o doutoramento em Engenharia de Recursos Minerais na Universidade de Kyushu. Nestes 5 anos, tenho me concentrado no estudo dos depósitos de óxidos de Fe-Ti e sulfuretos de Cu-Ni-EGP associados a complexos máficos e ultramáficos. Estou muito interessado em compreender a sua origem, evolução, e como este conhecimento pode orientar futuros projectos de exploração deste tipo de depósitos minerais.
Tem projetos para o futuro no campo literário, nomeadamente no terreno da prosa?
Eu tenho muito medo do futuro. Prefiro deixar que o mesmo me surpreenda.
Bene é cofundador da OitentaNoventa. Quer explicar em que consiste esta iniciativa?
OitentaNoventa é uma iniciativa intergeracional que coloca as novas vozes literárias (escritores, poetas e críticos literários) diante dos seus autores preferidos, para conversar sobre a escrita, os livros e a vida. A iniciativa pretende: divulgar os novos autores africanos; conectar as novas vozes africanas com os autores consagrados; contribuir para a ligação entre a academia, a pesquisa e os novos autores e introduzir novas sugestões de leitura ao leitor moçambicano (literatura africana). As conversas estão disponíveis no canal YouTube da OitentaNoventa.
Como é que David Bene descreve David Bene?
Não faço a mínima ideia. Talvez seja por isso que escrevo.
O que podem os leitores esperar de O vazio de um céu sem hinos?
Um vazio de um céu sem hinos.
Simone morta por um desconhecido. Bolsas de água no pulmão. O poema abre-me o olho no quarto 508 do Fukuoka University Hospital, a poucos quilómetros do apartamento em Susenji. Conheci o poema porque diziam nos corredores que não sairia vivo daquela cama. O que seria um olho aberto a dois metros da morte? E o que seria a poesia depois do silêncio? Disto nasceu a inquietude que dá corpo ao Vazio de um Céu sem Hinos, a última coisa que podia escrever que tinha tudo para não acabar. As secções do poema foram meticulosamente construídas de tal forma que, caso eu dormisse, o leitor teria a oportunidade de terminá-las, eternamente. Para minha desilusão, o que a vida sempre faz, o poema encontrou a foz na tarde em que o Doutor Watanabe disse que havia seca no pulmão e o corvo, desiludido, estava de malas aviadas. Não havia mais graça em escrevê-lo. Mélio Tinga achou melhor enviarmos o manuscrito para Portugal, e o resto é o que se sabe.
Texto: Tânia Pinto Ribeiro