Conta-se no meio editorial a história de um conhecido ex-editor e ex-empresário (talvez mais ex-empresário que ex-editor) que gostava de chegar à sua empresa, de manhã, e ter em cima da secretária, não um, mas dois livros novos da sua editora. Só quem faz livros percebe o quanto isto tem de maravilhoso e megalómano — o que talvez seja o mesmo.
Quem faz? Ou quem os escreve, talvez.
A chegada de um livro novo da gráfica é, para um editor, o momento mais belo e assustador. Vemos como está tecnicamente, se está bem impresso, se o papel ficou como queríamos, se a encadernação está em condições, se as cores estão bem vivas, se a capa funciona — isto tudo com um misto de assombro, de fascínio e de medo. Se um erro houver, se algo tiver ficado mal, já tarde vamos para corrigir. Às vezes a correcção passa por mandar para trás, chatearmo-nos com a gráfica e reimprimir. Claro que estes casos radicais acontecem muito pouco — o que ainda é pior. Porque o que acontece mais vezes é percebermos que não está perfeito, que há esta e aquela gralha, mas que a vida é mesmo assim e que nada há a fazer: comercialize-se e, claro, mande-se para o autor.
Ontem, chegou-me um livro novo. E não, não se trata dos que edito. Trata-se de uma edição de um livro que não fiz, só escrevi. O processo editorial com a editora em questão foi ótima, faz parte de uma coleção que já conhecia, por isso apenas tive a confirmação que esperava: ficou excelente. Mesmo com a vírgula que percebi mal colocada (erro meu na correção das provas, julgo), mesmo com aquilo que vou encontrando quando o for folheando mais vezes, mesmo assim, é perfeito. Há muito tempo que não editava um livro escrito por mim e onde não tivesse tido o trabalho de o produzir. (Dessa temática falarei noutra altura.) E fiquei muito feliz por me ver assim tão bem tratado e ter um livro tão bonito.
Mas o que verdadeiramente me fez escrever este texto é a diferença. No fundo, é salientar que este meu livro novo é sentido por mim de uma forma muito, muito diferente da de um autor habitual. Percebe-se imediatamente a razão: faço livros todos os dias (mas não dois por dia, calma), mexo-me no meio do meio editorial há mais de vinte anos: onde está a minha ingenuidade, a minha paixão juvenil por um livro novo? Não sei. Está, existe, acontece: mas mitigada pelo que sei da comercialização, pelo que sei da promoção, pelo que sei do prazo de validade, tipo iogurte, que um livro tem numa livraria. Há muito que percebi que escrever e depois editar os livros que escrevo (eu ou com outros) é uma guerra perdida para a roda gigante onde estão editores, distribuidores, livreiros, senhores do marketing e da comunicação — ah, e leitores. Que a única forma de ficarmos felizes com um livro novo é percebermos que iremos fazer o que sonhámos inicialmente, quando foi editado o primeiro: juntar os poemas (ou, neste caso, uma pequena prosa) e colocá-lo na estante. E talvez — muito talvez — conseguir chegar a um leitor.
Pergunto-me, várias vezes, se o facto de trabalhar nos livros influenciou negativamente a minha «carreira» de escritor. Algo me diz que sim. Mas acho que faz todo o sentido começar a perguntar a outros. Quem sabe não nasce daí um livro novo.