Manuel Maria Barbosa du Bocage foi uma das mais complexas e notáveis figuras do Iluminismo em Portugal. Autor versátil de múltiplas formas de poesia e dramaturgo, Bocage entrou em colisão declarada com a estética literária estabelecida, com a moral mais conservadora e com a hipocrisia dos costumes. Se, por um lado, semeou inúmeros conflitos, por outro, alcançou ampla simpatia junto dos leitores seus contemporâneos. Gozando de grande popularidade em quase todos os meios sociais, Bocage foi repetidamente invocado na literatura, nas artes plásticas, na música, no cinema, no teatro e até na publicidade. A sua escrita irreverente e as contundentes intervenções públicas tornaram-no uma referência para várias gerações de portugueses.
Bocage nasceu na vila de Setúbal a 15 de setembro de 1765. A infância foi atribulada: o pai foi preso quando tinha seis anos, a mãe faleceu quando tinha dez. Aos 21 anos, foi enviado para Goa como guarda-marinha, regressando quatro anos mais tarde ao País. Em 1790 aderiu à recém-fundada Academia de Belas-Artes Nova Arcádia, da qual acabará por ser expulso em 1794. Entretanto, escreve sob o pseudónimo Elmano Sadino e publica o primeiro volume das Rimas. Em 1797, Pina Manique, então Intendente da Polícia, decide “pôr ordem na cidade de Lisboa” e Bocage recebe ordem de prisão por ser “desordenado nos costumes”. Ficou preso no Limoeiro, tendo depois dado entrada na Inquisição e mais tarde no Real Hospício das Necessidades, de onde só saiu em 1798.
Durante o período de detenção, mudou o seu comportamento e começou a trabalhar como redator e tradutor. Poucos conhecem o contributo de Bocage como tradutor, com versões portuguesas de textos clássicos latinos, incluindo Virgílio e Ovídio. E também da literatura francesa. Assim, de 1799 a 1801, trabalhou com Frei José Mariano da Conceição Veloso, frade, missionário e botânico brasileiro, ao tempo Diretor da Oficina Tipográfica do Arco Cego, e que lhe entregou diversas obras para traduzir. Mediante o pagamento da féria de 12$800 réis, traduz entre outras obras, vários poemas didáticos, como os que estão presentes no acervo da Biblioteca da Imprensa Nacional. De Jacques Montanier Delille (1738-1813), Os Jardins ou a Arte de Aformosear as Paizagens, impresso em 1800, pela Tipografia Calcográfica, Tipoplástica e Literária do Arco do Cego, e de René Richard Castel (1758-1832), As Plantas, impresso em 1813, pela Imprensa Régia. Para além dos poemas franceses traduziu igualmente poetas italianos, contribuindo este trabalho difícil de executar para o prestigiar e glorificar ainda mais como poeta.
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Edição de 1800 de Os Jardins, ou a Arte de Aformosear as Paizagens
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Nota de honorários de Bocage à Imprensa Régia
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No prólogo de sua autoria escrito para a edição de Os Jardins ou Arte de Aformosear as Paizagens, pode ler-se: “… apresento esta versão, a mais concisa, a mais fiel, que pude ordená-la, e em que só usei o circunlóquio dos lugares, cuja tradução literal se não compadecia, meu ver, com a elegância, que deve reinar em todas as composições poéticas”, que espelha bem a seriedade com que encarava o seu trabalho de tradutor.
Publica o segundo volume das Rimas. Em 1802, responde perante o Santo Ofício, acusado de pertencer à maçonaria. Em 1805, sofre um aneurisma na carótida, e ante a sombra de morte, passa a escrever intensamente, numa luta contra o tempo. Nesse breve período, consegue ainda publicar Improvisos de Bocage na sua mui perigosa enfermidade, o elogio dramático A Gratidão, os Novos Improvisos de Bocage na sua moléstia, A Saudade Materna, o idílio Magoas Amorosas de Elmano e A Virtude Laureada. Morre aos 40 anos, a 21 de dezembro, na travessa de André Valente, em Lisboa.
Recorde-se que a Imprensa Nacional publica, sob coordenação de Daniel Pires, a coleção «Obras Completas de Bocage», uma coleção composta por três volumes. São eles:
Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e, Elegias: Tomo I e Tomo II (Vol I); Traduções (vol. II) e Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas (vol. III).
Aquando das comemorações dos 250 anos do nascimento de Bocage, que decorreram em Setúbal entre setembro de 2015 e setembro de 2016, Daniel Pires, que é também presidente da direção do Centro de Estudos Bocageanos e foi membro da comissão científica das comemorações, publicou também na Imprensa Nacional, <i>Bocage, a Imagem e o Verbo.