Em junho de 2018 a Imprensa Nacional fez uma recolha da obra poética de Pedro Tamen, uma obra iniciada em 1956 e traduzida e publicada em catorze línguas. No próximo dia 20 de maio, pelas 18.30h Jorge Silva Melo e Luís Lucas dizem poemas de Retábulo das Matérias, obra imponente de Pedro Tamen e obrigatória na biblioteca de todos os que apreciam poesia.
Não falte a entrada é gratuita.
Aqui alguns poemas.
Não há mais céu
se ele não cai
humilde acaso
no seu lugar.
Não há melhor
nem som mais puro
que o natural
dos nossos olhos.
Não vale a pena
fazer brinquedos
se as nossas mãos
são de criança.
in Retábulo das Matérias, pág. 17
Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angústia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. E que só eles
nos retiram da cama de que por nós foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tão cordatamente
entregue à nossa própria suma sumaúma.
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: é bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
Só os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, só eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mão dada e limpa que nos dessem
tropeça, polvo, com misérias nossas
e enterra-se na pérfida, agoniada leira
onde dominam eles nossas bocas e o sangue
que nelas perpassasse. Só os mortos,
invisíveis, letais, pesados entes,
nos disputam a vida, e só por fim nos matam.
in Retábulo das Matérias, pág. 417 e 418
Sento-me na cadeira
e olho para o chão:
mesmo à minha beira
abre-se o vulcão
onde o fogo assume
sua condição
de rubro negrume
sem limitação,
sem mira que veja
onde acaba a mão
que tem a bandeja
do vinho e do pão.
Mesmo que não queira,
sorvido me sumo:
desfaz-se a cadeira
e eu desfeito em fumo.
in Retábulo das Matérias, pág. 321
Tua palavra é longe
como de longe vejo
a luz solar que esconde
as ramas do desejo.
Mais de mim que de ti
minha palavra é longe:
roço o bronze daqui
e é mais além que tange.
Serás tão perto dela
qual eu da luz, a tua?
Termos a mesma pele
dá-nos calor da lua
que é calor de relento
entre o dia e o dia,
sabor de brando invento,
amor-telegrafia.
in Retábulo das Matérias, pág. 492
O amor já não é o que era
concluiu apressadamente o senhor Couto
vindo à tona do sonho de que o poema é feito.
O amor já não é o que era
repete-me a árvore roçagando
horas e horas, entre as folhas perdendo
uma qualquer coisa que se juntasse a ela
e a ela acrescentasse uma qualquer lembrança
do que fosse o amor quando era o que era.
Sabe o senhor Couto que não ser o que foi
é tão fatal com ele como com o sentimento
de que avança a falar como se o sentisse?
in Retábulo das Matérias, pág. 716